Uma espingarda com poucas balas e a mira quebrada. A metáfora serve como uma luva para descrever o Sistema Nacional de Emprego (Sine). Criado em meados dos anos 1970 para facilitar, por meio de parcerias entre o governo federal e os estados, a inserção do jovem e a recolocação dos desempregados no mercado de trabalho, o Sine tem um desempenho muito abaixo do esperado. Embora o país ainda conviva com milhões de desempregados, mais da metade das vagas oferecidas pelo sistema não são preenchidas. E a participação do sistema público no total de carteiras assinadas no país, critério utilizado pelo próprio governo para medir o desempenho do sistema, nunca foi tão baixa.
No ano passado, de acordo com levantamento feito pelo Ministério do Trabalho a pedido do Correio, apenas 6,8% das pessoas que conseguiram um emprego formal foram encaminhadas pelo Sine. Há quatro anos, por exemplo, o indicador estava em 8,6%. A média nacional esconde o bom desempenho em alguns estados, como Tocantins e Ceará, mas também mascara números ainda piores, como o Distrito Federal (leia mais na página 23).
Mesmo quando se leva em conta apenas o preenchimento das vagas oferecidas, o quadro não é diferente. Em 2007, apesar de ter ofertado pouco mais de 2 milhões de postos de trabalho a 5,6 milhões de pessoas cadastradas, o Sine conseguiu preencher apenas 47,6% deles, a pior performance dos últimos anos. Hoje, e nos próximos dois domingos, o Correio publica uma série de reportagens com um diagnóstico do sistema de emprego nacional.
;O Brasil não tem sistema público de emprego, tem algumas ações isoladas, como intermediação de mão-de-obra, seguro-desemprego e alguns programas de qualificação. Mas tudo isso opera de forma dispersa. O gasto não é pequeno, mas a eficácia é;, critica o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. ;O diagnóstico é claro: temos uma base que precisa ser muito melhorada.;
E quem sente na pele os efeitos é a população menos favorecida. Pela segunda vez este ano, José Cosme de Sousa, 44 anos, está desempregado. Na semana passada, voltou ao Sine do Plano Piloto para tentar uma nova vaga. ;Levei dois meses para conseguir o emprego, que só durou 45 dias;, reclama. Segundo ele, foi demitido porque o movimento no açougue estava muito pequeno. José Cosme tem o segundo grau completo, mas nunca fez um curso de qualificação. ;Gostaria de fazer um curso, pois acho que me daria condições de conseguir uma profissão melhor. Mas, por enquanto, o que preciso mesmo é de um emprego. Estou atrás de qualquer vaga. Serve vendedor, açougueiro, borracheiro;, diz, esperançoso.
Três décadas
Criado pelo governo militar em 1975, o Sine tem 1.216 postos espalhados pelo país. No ano passado, 25 milhões de brasileiros passaram pelas agências do sistema, que também é responsável por pagar o seguro-desemprego e emitir carteiras de trabalho, por exemplo. Ao longo desses 33 anos, nenhuma grande reforma foi feita no modelo. Por isso, ele está defasado. A opinião é do pesquisador Roberto Gonzalez, do Ipea.
Segundo ele, o Sine foi criado em uma época onde o desemprego era ;friccional;. ;Antes, era só o tempo de o trabalhador ser demitido e conseguir um novo emprego. Hoje, o desemprego é estrutural;, ressalta. De acordo com dados do Ipea, metade dos desocupados está sem emprego há mais de sete meses. ;Por isso, o Sine não se justifica apenas como agência de recolocação. Ele precisaria funcionar como um sistema integrado com a capacitação profissional, para requalificar esses trabalhadores;, defende Gonzalez. O Ipea começou a fazer um diagnóstico do sistema para propor ao governo modificações no sistema.
;O Sine foi concebido para atrair aquelas pessoas excluídas do mercado de trabalho. É uma clientela de baixa qualificação, o que dificulta a inserção;, afirma o diretor do Departamento de Empregos e Salários do Ministério do Trabalho, Rodolfo Torelly. Segundo ele, falta planejamento. ;Não há casamento entre a oferta de vagas e os cursos de qualificação. Uma determinada cidade tem vagas para garçom, mas não há mão-de-obra disponível e nem curso de qualificação nessa especialidade;, exemplifica. Para isso, o governo espera, até o final do ano, integrar todas as agências do Sine e, a partir das estatísticas nacionais, mudar a política de qualificação. Com a mudança, pela internet o trabalhador poderá procurar vagas e cursos em qualquer lugar do país.
Inexperiência
Até quem é qualificado enfrenta dificuldades. É o caso da jovem Amanda de Morais, 23 anos. Ao ver que a área de radiologia estava em alta, procurou um curso e tornou-se técnica em radiologia. ;Mas a concorrência aumentou e saturou o mercado. Tenho a especialização, mas como me falta experiência, fica difícil conseguir o emprego;, diz a moradora da Estrutural. Na semana passada, ela procurou o Sine pela primeira vez. ;Continuo querendo trabalhar na área, mas se pintar vaga em outra coisa, como auxiliar administrativa, acho que desisto da radiologia.;
De acordo com o professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn, a clientela do Sine é formada por pessoas com maior dificuldade de conseguir emprego. ;Quem recorre ao Sine o faz em última instância. Antes, eles conversam com amigos e vizinhos, compram jornal, procuram na internet. É uma população que já não tem grandes probabilidades de inserção;, afirma. E o problema, avalia, é que a atuação do sistema é passiva. ;O Sine teria que orientar o trabalhador, ensinar como fazer uma entrevista, um currículo, promover a qualificação, tudo isso com foco nas populações mais difíceis. Mas não, a maioria das agências apenas recebe as inscrições e encaminha esse trabalhador despreparado para as empresas;, critica.