O salário mÃnimo nunca comprou tantos dólares. O piso salarial da economia brasileira está hoje acima dos US$ 260, um recorde absoluto. Dolarizado, o mÃnimo cresceu mais de três vezes desde o inÃcio do governo Lula. Em compensação, diante da prateleira do supermercado a realidade é outra. Após quatro anos de aumento do poder de compra, a maré virou. Pela primeira vez desde 2003, a remuneração básica de milhões de trabalhadores e aposentados brasileiros começa a perder valor em relação à cesta básica.
Após seguidos aumentos, o mÃnimo saiu de R$ 200 para os atuais R$ 415, um ganho real (acima da inflação) de 56,1%. O piso salarial, que em 2003 era suficiente para comprar 1,51 cesta básica, chegou a levar para casa 2,22 cestas no ano passado (quando o mÃnimo estava em R$ 380). Hoje, no entanto, os R$ 415 são suficientes para comprar apenas 1,79 cesta, o que significa um retrocesso de três anos.
A vilã dessa história, mais uma vez, é a inflação, que corrói o poder de compra das famÃlias, em especial as de renda mais baixa. Apenas nos últimos 12 meses, a cesta básica subiu 35% em BrasÃlia. E o estrago não é pequeno. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÃstica (IBGE), quase metade dos trabalhadores brasileiros recebe no máximo dois salários mÃnimos por mês (R$ 830,00).
Além disso, dois terços de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ganham apenas um salário. São 16,9 milhões de inativos com renda mensal de R$ 415,00. Há ainda outros 3,3 milhões com renda entre um e dois mÃnimos. Isso sem contar nos milhares de trabalhadores informais, como pedreiros, jardineiros e empregados domésticos, que têm no salário mÃnimo uma espécie de indexador salarial.
Para essas pessoas, como o faxineiro Izac Oliveira da Silva, 28 anos, o avanço da inflação sobre o poder de compra é sentido no dia-a-dia. Izac sabe bem o que é ver o dinheiro acabar antes do fim do mês. Com o salário mÃnimo que ganha, ele ajuda a sustentar a famÃlia de nove pessoas. O difÃcil, conta, é conseguir manter as contas em dia com os recentes reajustes sofridos no preço dos alimentos. ;Tudo ficou mais caro;, lamenta.
Izac se sacrifica para conseguir um dinheiro a mais. Vende o vale-transporte que ganha e vai ao trabalho, na 308 Sul, de bicicleta. Um longo caminho desde sua casa, no Paranoá. Ida e volta, são mais de 60km. Além disso, cata latinhas de refrigerante e cerveja no fim de semana para vender e ainda faz bicos como pedreiro e pintor. ;Dessa forma arrecado pelo menos mais R$ 300. É o único jeito de manter o padrão lá de casa.; E a situação não deve melhorar em curto prazo. Até 1º de fevereiro do próximo ano, o salário mÃnimo ficará congelado em R$ 415,00. Já o preço dos alimentos, ninguém garante.
Comportamento muda
Feijão, arroz, leite, carne, farinha de trigo. Quem empurra um carrinho de supermercado sabe o quanto o preço desses produtos vem aumentando. De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), nos últimos 12 meses o feijão foi o item que mais subiu na cesta básica: assustadores 127,11%. A farinha de trigo ficou 63,74% mais cara e o arroz, 62,50%. O óleo de soja, 62,18%. A carne teve um dos aumentos mais ;modestos; da cesta básica. Ainda assim, uma elevação de 32,30%, na média.
A escalada da inflação muda o comportamento do consumidor. Sofre mais a população de baixa renda. Para ela, os alimentos têm um peso maior no orçamento mensal. Mas mesmo a classe média já está refazendo as contas. A dona de casa Rosa Cristina Prisco da Silva, 42 anos, faz de tudo para economizar em tempos de preços altos. Sai às compras apenas em dia de promoções. ;Carne eu compro uma vez por mês, em uma terça-feira;, ensina. Sempre atenta aos encartes de preços, Rosa corre atrás dos descontos. As frutas são compradas nas Centrais de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa). Além disso, as marcas são sempre as mais em conta.
A volta da inflação, diz, a obrigou a mudar todos os produtos que eu usava. ;O arroz que eu comprava, por exemplo, foi de R$ 7 para R$ 10. Continuo pagando R$ 7 em um de outro fabricante porque R$ 3 faz muita diferença, são dois litros de leite;, pondera. Mesmo com todas as lições de economia, Rosa sente o orçamento mais apertado. ;No ano passado, gastava R$ 700 por mês com todas as compras. Hoje pago pelo menos R$ 1.000.;
A economista Marcela Prada, da consultoria Tendências, lembra que os alimentos vêm subindo desde o segundo semestre do ano passado devido a problemas climáticos e ao forte crescimento da demanda mundial. O problema é que, segundo ela, entre os produtos em alta há itens importantes da cesta básica, como carne, arroz, feijão e trigo. ;A inflação dos alimentos está comendo boa parte dos ganhos que o salário mÃnimo teve nos últimos anos;, diz Marcela.
De acordo com Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese, a população de baixa renda está sendo afetada porque, em seu orçamento mensal, os alimentos têm maior peso. ;A polÃtica de manutenção do poder de compra dos menores rendimentos está vinculada ao salário mÃnimo, mas também depende fortemente do controle da inflação;, define.
Para combater esse fenômeno, Ganz Lúcio defende que o governo desenvolva polÃticas que ampliem o abastecimento de alimentos e ajude na formação dos preços agrÃcolas. ;Não dá para ficar pendurado apenas na polÃtica de valorização do mÃnimo porque, no limite, os reajustes acabam alimentando a própria inflação;, adverte. Marcela Prada, da Tendências, acredita que os preços dos alimentos não devem continuar subindo no mesmo ritmo. ;O maior efeito sobre o poder de compra das famÃlias pode já ter sido sentido;, afirma.
Popularidade
Para o cientista polÃtico da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, ainda é cedo para dizer, mas o peso da inflação no bolso dos mais pobres pode afetar a imagem do presidente Lula. ;A persistir essa situação de aumento de preços, o presidente Lula poderá não ser o cabo eleitoral que todos pensam que seria nas eleições de outubro;, afirma. Jacob ressalta, no entanto, que os efeitos demoram a ser sentidos. ;Num primeiro momento, a popularidade cai mais entre as classes altas, que estão vendo o rendimento de seus investimentos perderem para a inflação. Na ponta de baixo, esse processo deve ser mais lento.;
O cientista ressalta que o capital polÃtico de Lula é sólido entre a população de baixa renda, devido principalmente ao Bolsa FamÃlia e aos reajustes concedidos ao salário mÃnimo. ;Tudo vai depender das medidas adotadas daqui para frente, e de quem será mais afetado por elas;, afirma. No entanto, Jacob aposta que Lula deve dar especial atenção aos mais carentes. ;Acho que a tendência do governo, de qualquer governo, em ano de eleição, é adota medidas para proteger os mais pobres. Essa é a massa eleitoral brasileira;, finaliza.
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