Um documento preparado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, na sigla em inglês) para embasar as discussões entre chefes de Estado sobre crise dos alimentos, afirma que só o álcool brasileiro tem se mostrado competitivo quando comparado a outras fontes de energia.
"O aumento do preço do petróleo e do gás tem tornado a bioenergia mais competitiva para todas as aplicações - energia, calor e transporte", afirma o documento. "No entanto, de todos os biocombustíveis líquidos, só o álcool brasileiro à base de cana-de-açúcar tem sido consistentemente competitivo nos últimos anos, sem necessidade de subsídios contínuos." O documento da FAO observa que subsídios e isenções fiscais são os principais mecanismos adotados pela maioria dos países que tentam incentivar a produção local de biocombustíveis.
"Esses instrumentos introduziram distorções de mercado que favoreceram a produção doméstica e, freqüentemente, tecnologias ineficientes", aponta o texto.
Crise dos alimentos
O documento "Bioenergia, Segurança Alimentar e Sustentabilidade: Em Busca de um Acordo Internacional" foi elaborado para as discussões entre chefes de Estado na conferência da FAO que começa nesta terça-feira (03/06) em Roma. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve fazer uma defesa ao programa brasileiro de álcool no encontro.
A conferência da FAO foi inicialmente planejada no ano passado para discutir o impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos. No entanto, a crise provocada pelo forte aumento no preço dos alimentos nos meses recentes mudou a agenda do encontro.
Os biocombustíveis - apontados por muitos como um dos fatores que está provocando a crise - estarão no centro dos debates em Roma. O texto-base da FAO afirma que "os biocombustíveis são um fator significativo nos recentes aumentos do preço de commodities".
"Os preços do milho e de sementes duplicaram no último ano, enquanto o aumento da demanda e a competição por terras exerceram pressões para cima nos mercados por culturas de substituição", diz o texto.
"Na medida em que os mercados de commodities se tornam mais integrados e mudanças nos preços nos mercados internacionais afetam os mercados domésticos, a produção de biocombustíveis em um país terá efeitos importantes na segurança alimentar de outros países."
Três posições
O documento da agência da ONU considera que os especialistas estão divididos entre três posições diferentes sobre como administrar internacionalmente a produção de biocombustíveis.
"O desenvolvimento da bioenergia, em particular a expansão dos biocombustíveis líquidos, atingiu um ponto crítico. Governos, organizações internacionais, o setor privado, a sociedade civil e a academia parecem estar divididos em muitos itens", diz o documento.
"Os diferentes pontos de vista sobre como seguir adiante podem ser resumidos em três opções: continuar os negócios como sempre, aplicar uma moratória ou construir um consenso intergovernamental." O texto termina afirmando que governos e o setor privado pediram à FAO para que a entidade "ajude a estabelecer um consenso de bioenergia, especialmente sobre biocombustíveis líquidos".
Consenso difícil
Para o representante da FAO para América Latina e Caribe, o brasileiro José Graziano da Silva, apesar de o texto-base da entidade sinalizar caminhos diferentes a serem adotados sobre a questão dos biocombustíveis, dificilmente a declaração final, aprovada ao fim do encontro, conterá uma postura muito definitiva sobre o tema.
"Esse é um dos temas mais controversos (da conferência) e eu não arriscaria de momento nenhum prognóstico", disse Graziano.
"Essas conferências emitem comunicados de consenso. E comunicados de consenso em geral não descem no nível de detalhes e, sobretudo evitam julgar ações que prejudiquem um ou outro país em particular." Segundo ele, a declaração final deve mostrar que "é preciso atuar em conjunto" e que "a crise não se resolve com medidas individuais".