Mais uma vez a retórica prevaleceu sobre a prática. Apesar de ter anunciado que cortaria o ponto dos auditores-fiscais da Receita Federal, o governo não conseguiu incluir na folha de pagamentos de abril os descontos dos dias parados. Os grevistas receberam ontem normalmente os salários. O episódio desgastou o Ministério do Planejamento e a Receita, que prometeram aplicar a punição só a partir de junho.
A justificativa oficial foi de que faltaram condições técnicas. Como no mês passado a Justiça negou, mas depois recuou e permitiu o corte nos contracheques, nem todas as informações foram atualizadas em tempo no banco de dados central da União. A paralisação dos auditores começou no dia 18 de março e prejudica setores importantes da economia no Norte e no Sudeste do país, além de comprometer o comércio exterior brasileiro como um todo. Se tivesse ocorrido, o corte de ponto atingiria cerca de 3,8 mil funcionários.
Mesmo abalado, o governo não se deu por vencido. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirmou que a contabilidade das faltas está em curso. ;Não vamos deixar de fazer o desconto. Todos podem continuar fiscalizando. Vamos cortar;, afirmou. Segundo ele, o desconto não será usado como moeda de troca e, mesmo que a categoria volte ao trabalho, parte dos salários pagos no próximo mês será retida na fonte. ;Fizemos uma negociação exaustiva com os auditores. Não vejo mais o que negociar. Não temos a menor possibilidade de melhorar a proposta;, disse.
A oferta do governo é aumentar em cerca de 40% os valores dos salários inicial e final, além de dividir o impacto em parcelas anuais até 2010. Os auditores não concordam com o cronograma e fazem ressalvas aos valores propostos. Conforme o Ministério do Planejamento, em dezembro de 2002, a remuneração inicial da carreira era de R$ 4.544,53 e passou para R$ 10.155,32 em 2007. Já o salário final saltou de R$ 7.376,91 para R$ 13.382,26. Com o plano de reajuste, se for aceito pelos trabalhadores, o salário inicial será de R$ 14 mil e o final, R$ 19 mil.
Na semana passada, as assembléias nos estados indicaram pela manutenção da greve. A votação foi apertada. Novas rodadas devem acontecer na quinta-feira. No porto de Santos e no aeroporto de Cumbica, ambos em São Paulo, os auditores ainda trabalham em esquema de operação-padrão. Para não perder mercadorias perecíveis, as empresas de alimentos e de materiais hospitalares estão entrando com pedidos de liminares para desembaraçar as encomendas.
Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco), disse ontem que as assembléias desta semana vão reavaliar o movimento da categoria. Segundo ele, o cenário é imprevisível porque se por um lado o governo diz que não pretende ceder, os servidores também não. ;Vamos discutir, avaliar tudo o que está acontecendo;, resumiu. Para Delarue, a ameaça de corte de ponto não ajuda a resolver o impasse.
CGU promete parar hoje
Assim como fizeram há cerca de 10 dias, os auditores da Controladoria-Geral da União (CGU) prometem parar hoje por 24 horas. O protesto acontecerá no Distrito Federal e em outros estados do país. Integrantes do chamado ciclo de gestão do Estado, esses servidores estão em campanha salarial e exigem do governo agilidade na formulação de acordos.
Outras carreiras da elite do funcionalismo também buscam pressionar o Ministério do Planejamento. Os servidores do Banco Central estão insatisfeitos e avaliam até mesmo entrar em greve se não obtiverem uma resposta satisfatória nas próximas semanas. O mesmo ocorre no Tesouro Nacional.
O cenário para esses servidores não é nada animador. O governo já admitiu que não há recursos orçamentários suficientes para atender a todos os setores do funcionalismo. Os R$ 3,4 bilhões reservados para este ano estão quase que totalmente comprometidos com o reajuste de civis e militares. O ministro Paulo Bernardo disse ontem que o pedido de suplementação ao Orçamento 2008 deverá ser feito em breve. De acordo com ele, ainda não há uma definição sobre valores. Já a proposta de reajuste para os cerca de 800 mil servidores civis da União, que está na Casa Civil, deverá seguir para o Congresso Nacional na forma de medida provisória.