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Crítica / O melhor está por vir ***

Os diretores franceses Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellièr trazem um filme denso, mas tratado com doçura e humor


À primeira vista, O melhor está por vir parece um título inadequado para a comédia doce, de fundo amargo, assinada pela dupla de cineastas Matthieu Delaporte e Alexandre de La Patellière. Trata de morte, daí o estranhamento.
 
Mas é a química de outra dupla — afinada, nas cenas da telona — que convida à diversão: Fabrice Luchini e Patrick Bruel, respectivamente, intérpretes do comedido Arthur e do extravagante César. O último tem tempo de vida contado, pelo avanço de um câncer, mas de nada sabe.

No fundo da trama, o chamariz está na possibilidade de reconciliações de personagens. Não que os amigos estejam brigados, mas cultivam, como qualquer pessoa, assuntos pendentes. Arthur tem uma veia controladora que vai da preocupação com a futura “experiência sexual lamentável” da filha Julie (Marie Narbonne) até a intromissão na vida da ex-mulher Virginie (Pacale Arbillot). César (o moribundo) altos perrengues com o pai Bernard (Jean-Marie Wingling).

O marco zero do filme, entretanto, se dá com o empréstimo de um cartão de saúde, na fila da efetivação de convênio, em que, para além das costelas trincadas (por causa de uma queda), o dignóstico (equivocado ou não) acusará aterradores nódulos pulmonares.
Os diálogos afiados do filme têm assinatura dos diretores (também roteiristas). Exemplo está numa das falas atribuídas a Virginie (que diz ao ex, Arthur): “Te amo demais, mas não o bastante para te suportar”.

Jogos de palavras (embaralhadas) e circunstâncias confusas rondam a convivência dos amigos, enquanto cultivam visões distintas em relação aos próprios destinos: desavisado, César pensa que é Arthur que terá a vida encurtada pela doença.

Como de praxe nos filmes que provocam o flerte entre despedidas (finais) de personagens e sentenças de morte anunciada, O melhor está por vir convoca os protagonistas a nutrirem lista de desejos, antes da partida. Pretendem, claro, viajar, reconstruir relações abandonadas e redescobrir, como bons solteiros, a capacidade de seduzirem.

Cassino

Entre as artimanhas dos roteiristas está o apelo da entrada de um adorável cachorro em cena (num esquema à la Marley e eu) e uma sequência passada num cassino. Num clima leve e descompromissado (afastados das tarefas do dia a dia), César e Arthur curtem noitadas em boates (ao som de The Cure) e, na melhor das sequências (numa gag que remete ao clássico Gaiola das loucas), ambos, num jogo de reaquecimento das cantadas do passado, num badalado restaurante, brincam com a capacidade e os estilos de sedução. Levam um pito do garçom, dada a falta de “discrição”.

Cheio de pequenas reviravoltas, o filme se ancora ainda na capacidade de envolvimento (individual) patente em cada um dos atores: Fabrice Luchini tem histórico de premiações no César e ainda no Festival de Veneza, enquanto Patrick Bruel, entre muitos longas, foi ator de Claude Chabrol, em Comédia do poder. A dupla de diretores — muito mais reconhecidos pela carreira com feitura de roteiros — empresta a mesma capacidade antevista em Qual é o nome do bebê?, filme que assinaram juntos em 2012.