Haja o que houver...
No clássico nacional Terra estrangeira (1995), de Walter Salles e Daniela Thomas, há uma cena no Cabo Espichel (Portugal), que, nitidamente, define a finitude de horizonte para os protagonistas, desesperados por prosseguir uma jornada fadada à tragédia. É com esta mesma definição — na qual a geografia portuguesa pesa — que o diretor Ira Sachs projeta o drama estrelado por Isabelle Huppert, e que, no Festival de Cannes, competiu por prêmios, com filmes fortes como Parasita, Dor e glória, Bacurau e O jovem Ahmed (outra das estreias no DF).
O Santuário da Peninha (em Sintra, Portugal) está numa cena sublime no novo filme de Ira Sachs. Traz algo de alento para a trajetória da protagonista, uma estrela de cinema chamada Frankie (Huppert), pronta para encarar asperezas da vida real. Num filme episódico, no qual personagens são apresentados aos poucos, o tema central ultrapassa as férias em família organizadas pela estrela. A verdade é que ela está morrendo, e todos em volta sabem da sua doença terminal.
Numa cena de fina ironia, neste filme em que os encantos turísticos são exaltados a todo instante, Frankie adentra trilha em floresta desconhecida (com destacada plaqueta que identifica um “matadouro”). Entre árvores e folhas, porém, Frankie desemboca numa festa de aniversário em que é convidada a brindar a vida, com alguns fãs da sua filmografia. A cada instante, o filme de Sachs tem o mérito de surpreender e de revelar um cinema que consagra a quietude, opção rara, entre tantos filmes contemporâneos, gritados e repletos de explosões.
Celebração não é a palavra ideal para definir o objetivo de todos os familiares presentes na fita. Há muita desarmonia entre alguns, junto com rusgas do passado. Ainda assim, se esforçam pelo bem, num ciclo social que traz o marido de Frankie, Jimmy (o excelente irlandês Brendan Gleeson); o primeiro marido dela (Michel, vivido por Pascal Greggory) e o filho Paul (Jérémie Renier). O filme não é sobre aflição, daí a atuação silenciosa de Huppert, indisposta ao dramalhão. Sem forçar a mão, o diretor apresenta uma trama que trata de morte, mas desemboca, na verdade, em vida e numa experiência solar repleta de civilidade e compaixão, especialmente representada por Marisa Tomei, intérprete de uma cabeleireira cheia de inseguranças amorosas.