Leão em pele de cordeiro
Esqueça o extermínio de nazistas idealizado por Tarantino em Bastardos inglórios (2009) ou mesmo o mórbido tom de A vida é bela, em que um pai (o premiado italiano Roberto Benigni) sofria para esconder as agruras relacionadas à guerra. Adaptado de texto literário de Christine Leunens, o longa do diretor Taika Waititi joga com o perigo, amenizando a seriedade temática da Segunda Guerra. Numa aposta divertida, ele acerta por respeitar a versão infantil — e descoordenada — de um menino partidário dos ideais nazistas. Encantado por promessas desenvolvimentistas, Jojo (Roman Griffin Davis, de tremenda vivacidade na tela) demora a contestar o regime, numa perspectiva idealizada, aos padrões da protagonista de O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001).
Jojo Rabbit parece um daqueles filmes leves de Wes Anderson, do tipo Moonrise Kingdom (2012). Colorido, mas cuidadoso ao fundamentar as dores registradas na tentativa de pertencimento adotada pelo negligenciado meninote, cooptado por um impensável amigo imaginário: Adolf Hitler (Taika Waititi, numa caricatura multifacetada). Grosso modo, o garoto é a metáfora do coelho que busca, sem sucesso, uma toca segura para entrar. Desorientado, vive numa realidade de livros queimados e demais ignorâncias, legitimadas, e entorpecentes. Com criatividade, Waititi explora a aberração hitlerista com cenas hilárias como as que, ostensivamente, oferta cigarros para Jojo. Empregando tempo real (uma eternidade, na tela) capta aspectos metódicos e teleguiados das saudações a Hitler, entre outras extravagâncias.
Pouco a pouco, Jojo se dá conta de que não vive um “bom momento para ser nazista”. Isso, depois de travar contato com figuras inusitadas que vão do simpático looser Yorki (Archie Yates), amigo para muitos momentos; e dois focos de imbecilidade plena, nas figuras de Freuline Rahm (Rebel Wilson) e de um capitão interpretado por Sam Rockwell (vencedor do Oscar, por Três anúncios para um crime). Sem forçar uma discussão política, a maturidade de Jojo chega forjada na sua inocência, quando trava contato com uma garota judia (Thomasin McKenzie). Doçura e versatilidade ainda contornam a interpretação para a indicada ao Oscar Scarlett Johansson, na pele de Rose, uma mãe afetuosa. À parte O mágico de Oz (1939), Os sapatinhos vermelhos (1948) e Cinderela (1950), os calçados de uma personagem nunca foram tão significativos quanto os de Rosie.