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Crítica /O escândalo ***

Mais pela abordagem de tema forte e pelo empenho do elenco do que pelas qualidades cinematográficas, o novo filme de Jay Roach merece atenção

 
Nos bastidores da notícia
Descolado da responsabilidade inerente ao jornalismo, um sistema de toma lá, dá cá impera, maliciosamente, no retrato da realidade impressa em O escândalo, filme de Jay Roach que concorre a três prêmios Oscar, pelas indicações das atrizes Charlize Theron e Margot Robbie (essa, coadjuvante) e na categoria de caracterização (maquiagem e penteado). Uma cadeia de apoio mútuo entre fontes (para a noticiosa rede global da Fox News) e os realizadores das nada isentas reportagens dá a dimensão dos pilares podres desbaratados na trama. Mesmo com toda a gravidade, esse tema é menor, diante da denúncia mais urgente de O escândalo relacionada a assédio sexual.

Um sistema que institui a quebra da parede do respeito está desenhado no filme: há, sim, objetificação das mulheres; a protagonista (interpretada por Theron) pode ser chamada de “vadia” (na mais branda ofensa) e, a quilômetros de civilidade, e às vésperas de ser eleito (em 2016), o presidente Donald Trump é idolatrado pela ausência de “filtros políticos”. Corroteirista do intrincado A grande aposta (2015), Charles Randolph, no novo filme (sem colaboradores), deixa perceber as dificuldades de condensar (dada a falta de sutileza) datas, personagens e detalhes de um caso real que movimentou milhões de dólares em termos de indenizações.

Num ambiente de trabalho demarcado por extrema competitividade, a âncora de tevê Megyn Kelly (Theron, radiante) reluta, mas embarca em investida investigativa, para decifrar o impacto do assédio na empresa em que recai enorme suspeição. Os corredores da Fox News estariam repletos de “boas garotas”, desenvoltas nos serviços e que acatam padrões de beleza e sensualidade instaurados pelo comando do indecente predador, de linguagem vulgar, interpretado (sob excelência) por John Lithgow (Dexter): Roger Ailes (morto em 2017).

A realidade norte-americana descrita no filme dialoga com o Brasil contemporâneo. Atacar quem postula ideias discordantes, agressões fortuitas, o registro de uma escalada no número de armas e radicalismo expresso em franqueza cínica somatizam as condições para que Ailes encontre impunidade. “Tesão e ambição” passam a comungar, na pequena sociedade dos funcionários da Fox, abafados por um conservadorismo difuso. Sob uma ditadura da aparência, que achata a personalidade de personagens como as de Nicole Kidman e Margot Robbie (respectivamente, Gretchen e Kayla), O escândalo revela machista atmosfera em que piadinhas e alfinetadas encadeiam malefícios ainda mais pesados.

Diretor de pequenas sagas cinematográficas cômicas, entre as quais Austin Powers e Entrando numa fria, o diretor Jay Roach não parece o nome ideal para conduzir O escândalo. Ele dá um acabamento televisivo à fita, que, entretanto, não fica comprometida. Depurando o jogo de denúncias e quebra de confianças, o diretor não se diferencia.

No clã ou facção representado pelos funcionários de uma empresa compromissada com republicanos, inflada por manda-chuvas que alardeiam qualificações depreciativas para mulheres é um bálsamo testemunhar a existência da personagem Jess (Kate McKinnon, lembrada como a produtora musical, no longa Yesterday). Lésbica e subversiva, ela se diz alguém que “prospera em ambientes tóxicos”. Outra tirada de humor (ácido) no filme associa o empenho sexual de Ailes (usuário de andador) a benefícios do viagra.