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Crítica / Adoráveis mulheres ****

A fuga do cabresto das convenções sociais é um dos elementos de maior peso na trama das personagens do celebrado filme da diretora Greta Gerwig

Correio Braziliense
postado em 10/01/2020 04:16
O filme é dirigido por Greta Gerwig, autora de sucessos no cinema como Francis Ha e Lady Bird


Enquanto há uma rabugenta personagem (feita por Meryl Streep) que se despede da vida, em meio a intrigas e comentários maldosos (que atingem até mesmo o irmão e a cunhada, candidatos à “indigência na velhice”); noutra ponta da trama de Adoráveis mulheres, há uma lufada de bondade, discernimento e frescor que reclama vida — tudo isso ao redor da protagonista do filme, a cargo da sempre excelente Saoirse Ronan (de Lady Bird e Brooklyn) que interpreta Jo, um verdadeiro esteio para a família March. Espirituosa, ela estará Nova York, durante parte da trama, em que projeta um futuro pelo aperfeiçoamento na vocação literária, mas se vê mesmo fincada ao dia a dia, na pacata Concord, ao lado das irmãs supervisionadas pelo amoroso carinho materno, na representação da personagem Mãezinha (Laura Dern). Adoráveis mulheres se favorece ainda do impacto permanente da literatura de Louisa May Alcott, autora do clássico em que está baseado (Mulherzinhas, de 1868).

Há um momento em que Jo se diz desapontada “por não ser homem”, uma vez que desejaria, mais do que as glórias de um militar do Exército americano (pesa na trama de época os reflexos da Guerra de Secessão, no século 19), obter desafios insondáveis. Jo reluta contra a postura de bibelô, esperada pelas convenções da época. Juvenil e insegura, terá como escola a afeição junto às irmãs e o tom professoral do literato Frederich (papel do astro Louis Garrel). Um dos grandes méritos do longa está no fato de ter sido dirigido por uma mulher, Greta Gerwig, autora de sucessos no cinema como Francis Ha e Lady Bird. Colorido, vivo e ajustado à esfera sonhadora das moças alinhadas na trama, o filme ainda goza de um aprofundamento que questiona papéis das mulheres na sociedade.

Beijos roubados, a genuína atitude de dispensar a aprovação dos homens e trajetórias introspectivas balizam muitas ações da fita. À época das damas de companhia e dos tutores (representado na trama por James Norton, que encarna o bondoso John), naturalmente, o filme pontilha rumores para amores impossíveis, como no caso de Laurie (Timothée Chalamet), o endinheirado vizinho das quatro moças da família March.

Todas impulsivas ou, no mínimo, espertas, as meninas, para além de Jo, são: Meg (Emma Watson), pouco temperamental, e bastante centrada; Amy (Florence Pugh), oportunista e repleta de defeitos (na visão de Jo) e ainda Beth (Eliza Scanlen), que conquista, pelo talento musical, o solitário avô de Laurie, Laurence (Chris Cooper, de Adaptação). Emoldurado por mais uma inspirada trilha sonora de Alexandre Desplat, Adoráveis mulheres é hábil em explorar uma narrativa não sequenciada. Situações comoventes, casamentos gorados e painéis que envolvem personagens com pinturas e outras artes compõem o filme de Greta Gerwig, capaz de dosar sentimentos de empatia e euforia. Dona de uma irrefreável liberdade, Jo (dona de uma maternidade insuspeita, na trama), Jo se engana — ao se definir como alguém impossibilitada de amar. Ama até demais.
 
 
 

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