Em junho de 1970, a banda inglesa Deep Purple lançava um dos maiores clássicos da carreira: o álbum Deep Purple in rock, considerado por muitos uma pedra fundamental para o rock e para a própria banda. Com uma imagem dos integrantes substituindo o rosto dos presidentes norte-americanos no famoso monte Rushmore, a capa do disco anunciava aquela que seria a mais bem-sucedida formação da banda, conhecida como MK II e reverenciada pela maior parte dos fãs.
Com a entrada do baixista Roger Glover e do vocalista Ian Gillan, substituindo Nick Simper e Rod Evans, respectivamente, a sonoridade da banda evoluiria de um rock progressivo pop para entrar na história como uma das pioneiras do hard rock moderno e do , ao lado de Black Sabbath e Led Zeppelin. Com os vocais marcantes e extremamente agudos de Gillan e um time de peso na parte instrumental, muitos fãs consideram este o verdadeiro começo do Deep Purple.
Cinquenta anos depois, a banda se mantém criativa e produtiva. Na quinta-feira (7/8), eles lançam o 21º álbum de estúdio da carreira, Whoosh, que seria lançado em abril, mas foi adiado devido à pandemia do novo coronavírus. Do novo trabalho, foram lançados três singles: Nothing at all, Throw my bones e Man alive. Os dois últimos com clipes. Da aclamada formação do disco In rock, ainda estão presentes Ian Gillan, Roger Glover e Ian Paice, único que esteve presente em todas as formações da banda.
Em material de divulgação do novo trabalho, o grupo afirmou que o lema do novo disco é "trazer o deep de volta ao purple", ou seja, trazer a profundidade de volta ao "púrpura". Em uma entrevista a uma rádio de Detroit, nos Estados Unidos, Roger deu uma declaração sobre a longevidade da banda: "Todo álbum é potencialmente o nosso último álbum. Nós pensamos que o último álbum era o último, mas há outro. Então continuamos. Lembro-me que o Jon Lord (tecladista desde a MK I, já falecido) certa vez descreveu o Deep Purple como um brinquedo atômico - ele apenas continua".
O Correio conversou com brasilienses que são fãs da banda para contar histórias, falar sobre o legado do álbum aniversariante e as expectativas para o novo trabalho. Confira.
Amor e perplexidade
"Minha relação com o Deep Purple é uma relação de amor e perplexidade", contou o vendedor de discos Reinaldo Azevedo, proprietário da Berlin Discos desde de 1989. Ele conheceu o grupo em 1974, em uma fita cassete que ouviu na casa de um amigo. O álbum era justamente o In rock, lançado meia década antes. "De lá para cá, eu procurei conhecer todos os álbuns e ouví-los todos. É uma relação que eu tenho de profundo respeito e admiração por essa banda, até hoje. Depois de todas as suas formações e modificações, eu continuo fã. Eles vêm lançando álbuns maravilhosos e conceituais. Mas essa formação, que é a formação perfeita, e que começou com o In rock, é a melhor. Todo mundo que gosta de Purple acha isso. O Ian Gillan cantando Child in time me emociona até hoje. Nunca tinha ouvido nada como aquilo, até então. Passou a ser o meu cantor preferido", detalhou Azevedo.
"Me lembro que, três anos após conhecer o In rock, ainda ouvíamos (uns cinco ou seis adolescentes se descobrindo roqueiros), quase todos os dias o bolachão: uma vez de cada lado e a música Child in time duas ou três vezes. E depois vinham as discussões: "É hard rock", dizia um. "É folk com heavy metal", afirmava outro. "É progressive rock", eu gritava. Depois de um tempo encerramos a discussão de rotulação e passamos a tentar entender como Ian Gillan conseguia cantar aquilo. Até hoje, quando reunimos alguns ouvintes daquela época, junto a outros de outras épocas e idades, não conseguimos chegar a um consenso sobre como ele atingia aquelas notas altíssimas naquela música", lembrou. Sobre o rótulo da banda, anos depois, Reinaldo chegou a uma conclusão: "Pra mim, é rock, rock mesmo, rock puro. Até hoje, é uma banda que deve ser ouvida para se entender o rock".
Amor aos discos
O professor de educação física Ricardo Gomes Nogueira, morador do Cruzeiro Velho, conheceu a banda na década de 1980, quando tinha 15 anos, por meio de um álbum duplo emprestado por um amigo. "Foi de um impacto do caramba", analisou o fã. "Foi um som que me impactou de primeira. A voz do Gillan, a guitarra do Richard Blackmore. A gente ouvia Led Zeppelin, AC/DC e claro que não conhecíamos tanto quanto a gente conhece hoje, mas foi um choque. Imagina um garoto de doze anos pegar uma bolacha daquela e ouvir pela primeira vez".
Hoje, ele possui oito álbuns de estúdio da banda e uma coletânea, em formato de CD. Ricardo não é muito fã das atuais plataformas de consumo de música. "Deixa muito a desejar, o fato de não ter a arte na mão, o disco, a capa. É diferente, acho muito sem sal. Não é a mesma coisa de pegar um vinil, colocar na vitrola e ouvir pela primeira vez. Acho que perdeu muito da paixão do roqueiro nisso", comentou. Apesar disso, Nogueira se deixou encantar pela onda dos CDs.
"Estava me descobrindo tanto para o rock quanto para a MPB. Logo depois, no segundo grau, consegui um emprego de empacotador em um supermercado e consegui comprar meus próprios discos, depois de muita batalha. Cheguei a ter cerca de mil vinis com meu irmão, só que, com a entrada do CD, inventei de trocar minha coleção por CD. Até hoje me arrependo".
Um brinde a Jon Lord
O radialista, jornalista e documentarista Lelo Nirvana contou que desde os anos 1980, Deep Purple é presença obrigatória nos programas que apresenta. Ele comandou o 105 Rock (105 FM), Cidade’n’Roll e Long live rock and roll (Cidade FM), 99 decibéis (Antena 9) e, atualmente, o Rock animal, na Mais FM. “Na Rádio Cidade, nos anos 1990, todo programa tinha que ter pelo menos uma música do Deep Purple e do Black Sabbath, duas bandas que tinha que ter pelo menos uma música na programação todo sábado", lembrou. As coisas não mudaram muito ao longo dos tempos. Na rádio Kiss, por exemplo, Lelo contou que se ouvia Deep Purple no café da manhã, no almoço e no jantar.
Como os demais entrevistados, ele conheceu o Deep Purple quando tinha 15 anos, por meio de um amigo do irmão do meio, mais velho, morador de uma quadra vizinha, que viu que ele se interessava por rock e lhe emprestou o Machine head, e, pouco depois, o In rock. "É um disco atemporal, que só tem musicão. Para mim, é o disco no qual conheci o Gillan de verdade. Apesar do Machine head ser fantástico também, o In rock é meu preferido. Tem Child in time, Into the fire, Speed king e outras que não foram consideradas tão clássicas, mas, para mim, são músicas belíssimas"
Em 1997, Lelo teve a oportunidade de trazer o Deep Purple para a primeira apresentação deles em Brasília, por meio de uma produtora que tinha com um ex-sócio. Juntos, eles tinham trazido Viper e Manowar antes de encerrar as atividades com o show do Deep Purple. Na época, o grupo excursionava com o álbum Purpendicular, com a formação MK VI, com Steve Morse assumindo a guitarra.
"Quando fomos buscá-los no aeroporto, o Ian Gillan chegou passando meio mal, com uma dor de barriga ou sei lá. E tinha o Jon Lord: com esse eu consegui conversar pessoalmente, brindei um vinho com ele no backstage, foi bacana demais", lembrou. Posteriormente, teve a oportunidade de entrevistar Glenn Hughes, baixista que fez parte da formação MK III.
Como os demais, o radialista considera a MK II, formação do In rock, a melhor do quinteto, mas acredita que Steve Morse, que assumiu a guitarra de Richie Blackmore em 1994, vem fazendo um bom trabalho na banda, e tem boas expectativas sobre o novo álbum. “Gostei muito das músicas novas. Acho que, nos últimos álbuns, eles estão numa coisa um pouco progressiva, com muita coisa de jazz, que o Steve Morse trouxe como influência. Aquela coisa do hard rock continua, mas eles caminharam para um lado um pouco mais progressivo, sempre cuidando muito do instrumental. O novo álbum promete para esse ano. As três músicas que eu ouvi realmente fizeram a cabeça".
*Estagiário sob a supervisão de Roberta Pinheiro