Diversão e Arte

Paulo Szot lança, com Nahin Marum, disco dedicado a peças de Claudio Santoro

Paulo Szot mal consegue disfarçar o entusiasmo. "Estou saindo de meu primeiro recital depois de quatro meses", ele diz por telefone, no caminho de Nova York para sua casa em New Jersey. No palco, sem público, apresentação gravada para ser transmitida dias depois. "É estranho demais cantar sem a plateia, mas é muito bom voltar a cantar. Vamos precisar nos acostumar. Esse é o nosso novo mundo." Há outras novidades por esses dias na carreira de Szot, barítono brasileiro presente na temporada das principais casas de ópera do mundo e na Broadway, onde venceu o prêmio Tony por sua atuação em South Pacific e onde cantava uma nova versão de Chicago quando a pandemia levou ao fechamento de todos os teatros. No dia 7, dentro da programação do Sesc Digital, ele lança seu primeiro disco: Jardim Noturno, um álbum duplo dedicado a canções do compositor brasileiro Claudio Santoro, com o pianista Nahim Marun. O projeto surgiu quando Marun e a pesquisadora e jornalista Camila Fresca visitaram, ainda em 2018, a casa de Alessandro Santoro, filho do compositor, de quem se lembrariam em 2019 os 100 anos de nascimento. "Havia muita coisa a ser descoberta", lembra o pianista. "Um material incrível, desconhecido. Falamos em seguida com o Paulo, que topou o projeto na hora." Para o barítono, era um "sonho que começava a se concretizar". "Sempre quis gravar um disco com canções brasileiras. E que isso pudesse acontecer por meio da música do Santoro me deixou muito feliz", explica Szot. Santoro (1919-1989) é uma das figuras-chave da música brasileira no século 20. Nascido no Amazonas, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na juventude para seguir a carreira de violinista, mas logo se voltou para a composição. E, neste campo, passou por diferentes correntes que pautaram a cena musical brasileira, do nacionalismo à vanguarda e à música eletrônica, incluindo, nesse processo, a apropriação de ideias do realismo socialista. Comunista, recusou-se a abrir mão de sua crença política ao receber um convite para trabalhar nos Estados Unidos, que foi então cancelado. Acabou então seguindo para a Europa. Andou pelo Leste Europeu até chegar a Paris, onde a saudade de sua tradutora nas viagens pela então União Soviética, uma moça chamada Lia, casada com um oficial da KGB, e o contato com Vinicius de Moraes levaram à composição do ciclo Canções de Amor, que está entre suas obras mais famosas e é um dos destaques do disco duplo agora lançado. "São canções intimistas, com um texto pautado pela dor de cotovelo, que flertam com o estilo bossa nova", explica Marun. A colaboração com Vinicius, no entanto, é apenas uma das facetas da criação para piano e voz de Santoro. E a diversidade foi um dos critérios a definir a composição do disco: ao longo das pesquisas, foram identificadas 18 obras inéditas. "Há outras peças mais modernas do ponto de vista da escrita musical. Suas últimas canções já trabalham com textos mais abstratos, quase surrealistas - há neste último Santoro, uma tristeza, algo mais sombrio", diz Marun. Isso teria a ver com o fato de que, neste momento, a utopia de um país diferente, alimentada ao longo da vida por Santoro, parecia cada vez mais distante? "Pode ser. O fato é que são peças que expressam uma relação dolorida com a vida", afirma o pianista, que resolveu intercalar as canções com danças brasileiras escritas pelo compositor. "O objetivo foi justamente trabalhar o contraste entre o clima intimista das canções com essas outras obras", explica. Algumas canções gravadas durante as sessões realizadas em julho de 2019 ficaram de fora do álbum final por problema na liberação de direitos dos autores de alguns dos textos musicados por Santoro. Mas, para Szot, o disco, como está, é bastante representativo da diversidade do compositor - e, ao mesmo tempo, de seu estilo profundamente pessoal de escrever. "Minha carreira, entre ópera, Broadway, canções brasileiras e americanas, é pautada acima de tudo por fazer aquilo que gosto e que tem qualidade. Mergulhar na diversidade do talento de Santoro foi especial para mim também por isso, é como se eu pudesse me enxergar um pouco ali." Para o barítono, interpretar as canções exige não apenas a capacidade de adaptar a voz ao passar de uma peça mais próxima da bossa nova a outra de corte mais afeito à vanguarda musical europeia. "Maria Bethânia diz que, para cada canção, é preciso criar um personagem. Entendo e concordo plenamente. Uma canção é uma vida narrada em poucos minutos. E, ao intérprete, cabe fazer jus não apenas à música, mas também ao poeta, ao autor do texto, à história que ele pretendia narrar." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.