Adriana Izel
postado em 30/07/2020 06:00 / atualizado em 25/08/2020 16:52
Cravar como será o mundo após a covid-19 é impossível. O próprio surgimento da nova doença mostrou à sociedade a dificuldade em manter certezas inabaláveis. No entanto, é possível olhar para trás — mais especificamente para o histórico de outras pandemias — e até para o presente para projetar o futuro.
É isso que o livro O mundo pós-pandemia: Reflexões sobre uma nova vida, da Editora Nova Fronteira, faz. Com a expertise de 50 personalidades de diferentes âmbitos, a obra traz ensaios que se aprofundam sobre a pandemia e o impacto dela na sociedade e em assuntos específicos, como economia, educação, urbanismo, medicina, esporte, humor, relações internacionais e religião.
“Tudo começou na metade de março quando o mundo estava mais perdido do que está hoje, mais angustiado, porque não conseguia entender e até digerir, era uma situação muito nova. A nossa ideia foi procurar grandes especialistas em vários setores e que têm muita experiência para fazer um estudo do que iria e ainda vai acontecer”, explica José Roberto de Castro Neves, organizador da obra e autor do ensaio Pós-pandemia: A oportunidade de uma nova ordem, que se debruça sobre as perspectivas no mundo do direito.
Saiba Mais
Texto sobre mortes no livro O mundo pós-pandemia
À historiadora Mary Del Priore coube um tema muito delicado na pandemia: os ritos de luto. A autora do ensaio A morte e morrer em tempos de epidemia buscou na história a relação da morte com os rituais, que, segundo ela, são alvo de preocupação dos especialistas da área há anos. “Da morte “domada”, que não inspirava medo e convidava o moribundo a se preparar para morrer, à morte erotizada dos românticos, personificada numa bela Dama de Branco que viria buscar o doente, à frieza dos hospitais em cujas UTIs os doentes desaparecem, há uma longa trajetória. Alguns autores dizem que a civilização Ocidental substituiu o tabu do sexo pelo da morte. Quanto maior a liberdade sexual, maior o apego à vida e horror à finitude. Já escrevi muito sobre o tema que é apaixonante e atual, pois nos países civilizados, a “morte assistida” é, atualmente, um tema de primeira ordem”, explica.
No ensaio, Mary busca a delicadeza para tratar um tema tão latente e tocante no Brasil e no mundo, onde o número de mortos de covid-19 continuam a crescer. “A sociedade brasileira é complexa e o Brasil, um arquipélago. Estamos vivendo de forma diferenciada a conscientização da epidemia e suas consequências. O governo, por exemplo, parece ignorá-la apesar das milhares de mortes. Mortes terríveis: por sufocamento, por asfixia. A rapidez com que os mortos partem enrolados em plástico e enterrados em fileiras como nos cemitérios militares da II Guerra Mundial revelam que o velho ritual de despedidas não pode ser cumprido. Os velórios são higiênicos, mal há tempo para chorar. Portanto, nos despedimos dos entes queridos em silêncio. O consolo é saber que eles só morrem se deixarmos de amá-los. A despedida mudou, mas, os sentimentos não”, analisa.
Em 416 páginas, O mundo pós-pandemia traz e incita reflexões sobre o que muda, ou, ao menos, deveria se transformar após a influência de mais uma pandemia assolou a humanidade.
Duas perguntas // Mary Del Priore, uma das ensaístas de O mundo pós-pandemia
Como você vislumbra esse mundo pós-pandemia e o que a história pode nos mostrar desse futuro que ainda não conhecemos?
A pandemia revela apenas que outras virão. Não teremos mais guerras atômicas, mas, biológicas. Vírus sofrem mutações e a crise climática e o fim da biodiversidade só agravam o quadro. Nunca estaremos suficientemente preparados para eles, pois o Brasil tem um atraso de séculos na formação de médicos e na construção de hospitais. Sofremos com epidemias de febre amarela, cólera e varíola desde que os portugueses pisaram em nossas praias até hoje. O Instituto Oswaldo Cruz assim como o SUS, que devemos ao governo Sarney, são um milagre. Se parte da população seguir ignorando a ciência, e as autoridades seguirem ignorando as suas responsabilidades o número de mortes e, consequentemente, o impacto nos rituais de despedida contarão outra história no futuro.
Como tem sido esse período de quarentena e tem trabalhado em outras obras?
Sou uma apaixonada por história e passo meu tempo a dar aulas, lives e a escrever livros. No segundo semestre lançarei um livro sobre a violência, mas, também, a resiliência da mulher brasileira. Chega de coitadismos. Sempre fomos guerreiras! E para o Centenário de 2022 já tenho uma surpresa pronta: mas, é surpresa!
SERVIÇO
O mundo pós-pandemia
Vários autores. Organizado por José Roberto Castro Neves. Editora Nova Fronteira, 416 páginas. Preço médio: R$ 34,99 (e-book) e R$ 49,90.
Coleções on-line da pandemia
The Decameron Project: Original do New York Times, o projeto reúne 29 contos sobre a atual situação do planeta. A obra se inspira em Decamerão, de Giovanni Boccaccio, para abordar medo, humor e perda em meio à pandemia. Nomes como Mia Couto e Margaret Atwood integram a coletânea. Disponível em https://www.nytimes.com/interactive/2020/07/07/magazine/decameron-project-short-story-collection.html.
Pandemia crítica: Hospedado no site N-1 Edições, o projeto apresenta textos que têm em comum a crise da covid-19, sob diferentes perspectivas. O material se destrincha em contos, poemas e ensaios. Ao todo são mais de 90 textos publicados em https://n-1edicoes.org/textos-1.
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