O Dia dos Avós será celebrado neste domingo, 26, em plena pandemia. Enquanto os jovens recorrem à tecnologia para atenuar o isolamento social, muitos idosos têm vivido um perÃodo de maior solidão, por não terem a mesma habilidade em usar smartphones e computadores. Alguns netos, porém, têm se esforçado para resolver esse problema.
É o caso da professora de matemática Isabela Maria Paiva de Souza, de 24 anos, que criou um manual de instruções para a sua avó aprender a usar aplicativos de troca de mensagens. "Nós somos sete netos. Somos muito unidos, então temos um grupo de WhatsApp no qual conversamos muito", conta Isabela. A dificuldade inicial era que, toda vez que a famÃlia queria se comunicar com os avós, uma tia tinha de levar o próprio celular até a casa deles, em Suzano. Quando a avó descobriu que a irmã mandava áudios diariamente aos familiares, disse que queria aprender a fazer o mesmo.
"A gente fez uma revolução na famÃlia. Minha irmã, Vitória, foi atrás de um celular, e eu do chip", relembra Isabela. Enquanto Adilson, o avô, de 80 anos, conseguiu se adaptar melhor à tecnologia, Laudina, a avó, de 76, sentiu mais dificuldades. Durante a quarentena, o gato do casal adoeceu, então Isabela e sua mãe tiveram de ir até a casa deles para ajudá-los. Foi a oportunidade para Laudina tirar as dúvidas com a neta. Com a didática a que está habituada, Isabela teve a ideia de criar o manual de instruções. "Eu sempre anotava as receitas da Ana Maria Braga para ela. TÃnhamos esse hábito.
Disse vamos lá, vó, aperta esse botãozinho e arrasta para cima. Fui fazendo um passo a passo, desenhando sÃmbolos, ajudando-a a entrar nos grupos", detalha Isabela.
"Eu nunca esperava que conseguiria falar e ver uma pessoa pelo telefone. A primeira vez que eu vi fiquei até emocionada", declara Laudina, que, como recompensa, presenteou a neta com a sua famosa salada de berinjela. Na visão de Isabela, "agora (o uso do celular) é uma necessidade para eles, não mais uma imposição dos filhos e dos netos".
Gerações
Sempre há tempo para aprender algo novo, não importa a idade. E, com a ajuda e a paciência dos netos, o Dia dos Avós pode deixar todos mais próximos - mesmo a distância. Em Florianópolis, o avançar da idade não impediu Aldo Eller, de 92 anos, de aprender novos meios de se comunicar com a famÃlia, o que tem sido motivo de alegria para seus 8 filhos, 17 netos e 4 bisnetos. Entre eles, está Júlia Pazzini, neta que mora no Rio Grande do Norte e costumava falar com o avô apenas por telefone, principalmente em datas festivas. "Por causa da distância, chegamos a ficar quase 10 anos sem nos ver", conta a designer, feliz de estar mais próxima do avô.
Já acostumado a usar um computador, no qual chegou a ler e-mails enviados pelos netos, Aldo ganhou um smartphone no fim do ano passado. "Ele adora internet, principalmente fazer pesquisas e procurar no Google as cidades onde os netos já estiveram ou moraram. Ele também acessa o YouTube e coloca música para ouvir enquanto realiza suas atividades", conta Júlia.
Com a pandemia, Aldo, habituado a dirigir, ir ao mercado e visitar a famÃlia, precisou "se recolher". Para que ele não se sentisse solitário, a famÃlia decidiu ensiná-lo a usar o WhatsApp, aplicativo que até então ignorava. "O pessoal tenta compartilhar um pouco do dia a dia num grupo, então assim ele não perde as notÃcias da famÃlia", afirma Júlia, que acrescenta: "Ele é bastante curioso e já sabe escrever abreviado, como por exemplo bjs; demora um pouquinho, mas responde com muito carinho sempre".
Em 31 de maio, quando completou 92 anos, outra neta, que mora nos Estados Unidos, organizou uma videochamada com toda a famÃlia, desta vez pelo Zoom. "Ele amou muito, tinha gente de todo o canto", relembra Júlia. "Eu o admiro muito, pois isso provou para mim que todo dia é uma oportunidade para se aprender algo novo. A paciência e a perseverança dele me provam isso."
Novos aprendizados
Essa busca por conhecimento marca a relação entre Sonia Maria Molina, de 70 anos, e seu neto Joaquim, de 11. A professora de matemática aposentada tem recebido lições de design do menino. "Ele me ajuda há bastante tempo, já me ensinou a baixar aplicativos e jogar pelo celular", conta Sonia, que está isolada em sua casa, no Rio de Janeiro.
Em dado momento, Joaquim, que vive em São Paulo, passou a lhe falar do Canva, site que permite a criação de conteúdos visuais, como pôsteres e cartões. "Eu perguntei 'que diabos é isso?". Ele me mostrou, eu acessei e agora ele me dá aulas, meia hora por dia, sempre às 16h." Uma forma, também, de fazer passar o tempo na quarentena.
"No inÃcio era estranho para mim. Eu estava dando aula, mas a professora é ela, e eu pensava nossa, caramba", conta Joaquim, que, segundo a avó, é bastante exigente: "Ele me dá tarefas, já fez três provas. E ainda dá nota. Na primeira, tirei 7; na segunda, 8, na terceira 9", conta Sonia, aos risos.
Entre as lições dadas por Joaquim para colocar em prática os conhecimentos adquiridos, Sonia teve de criar um cartão para enviar a um grupo de amigas no Dia do Amigo. "Eu mostro para o professor, ele avalia e dá pitacos", relata a aposentada. Enquanto isso, Joaquim já tem outras ideias do que ensinar para ela. O próximo "curso" deve ser sobre o uso do Google Drive, ferramenta que permite editar textos e salvar fotos.
"Para mim é bom, porque sempre aprendo mais alguma coisa, mas também porque todo dia nos juntamos, conversamos e eu posso perguntar sobre ele", avalia a avó, que, aos poucos, tenta "perder o medo" de usar o computador. "No inÃcio, eu achava que ia apertar em algo sem saber e ia estragar", brinca ela.
Francês por Skype
O mesmo medo acompanhava Leci Rigueira, de 65 anos. Professora de francês recém-aposentada, ela conta que, até pouco tempo atrás, só sabia usar o básico de tecnologia, apenas para registrar notas e avaliações quando ainda lecionava. "Eu tinha medo de fazer alguma besteira, estragar o computador e depois não conseguir mais usar", relembra.
Agora, no entanto, ela tem uma boa razão para se "atualizar". Seus netos a incumbiram de uma tarefa que ela não pôde recusar: dar lições de francês a eles via Skype. "Tem vezes que a gente se sente obsoleto, é uma sensação muito ruim. Quando eu vi que tinha uma coisa para passar aos meus netos, foi maravilhoso", declara Leci.
A ideia, na verdade, veio de Laura, de apenas 8 anos, que assistiu às primeiras aulas sozinha. Arthur, de 11 anos, ficava na espreita, só observando, e não demorou a pedir para participar também. Enquanto recebem as lições de francês, os dois ajudam a avó a manusear a ferramenta. "Cada coisa que aprendo, ganho um très bien", conta Leci.
A aposentada revela ainda que, de inÃcio, não "botou muita fé" na ideia, mas, segundo ela, tem sido uma experiência "surpreendente". Os encontros virtuais ocorrem três vezes por semana, durante uma hora. "Mas muitas vezes começamos antes e paramos depois do horário", relata Leci, que, dessa forma, diz ter encontrado um jeito de suportar melhor "esta maldita pandemia".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.