Diversão e Arte

Filme de Thiago Camargo, 'Atrás da sombra' traz protagonismo preto

O diretor goiano Thiago Camargo está à frente do suspense policial 'Atrás da sombra'. Filme discute questões raciais



Idealizado há sete anos, Atrás da sombra, filme nacional que mistura suspense à trama policial, estreia na inesperada conjuntura da pandemia, capaz de levar o filme direto para as plataformas Net Now, Vivo Play, Oi Play e Looke. Numa ousadia de criação “dos meninos de Goiás”, como o ator Stepan Nercessian define o diretor Thiago Camargo e o produtor e roteirista Daniel Calil Cancado, Atrás da sombra, na visão da atriz Elisa Lucinda, também no elenco, revela a “força de vanguarda do povo e da arte de Goiás”.

“Sempre formamos o cinema de guerrilha, uma resistência e um ponto fora da curva”, confirma Thiago Camargo. No filme está contado o destino do cético investigador Jorge, que desvenda o interior representado pela cidade fictícia de Golinópolis. O enredo dosa racionalidade e crenças sobrenaturais, tendo por origem, como sublinha o diretor, as histórias de beira de fogueira, em acampamentos numa mata dita mal-assombrada. “Quisemos retratar o olhar brasileiro para o terror, mas sem dissociar completamente dos símbolos, códigos e estruturas presentes nos bons suspenses americanos”, comenta o cineasta.

Ator do ainda inédito Pacificado, o congolês, de nacionalidade também brasileira, Bukassa Kabengele tomou as rédeas de protagonista, no papel do detetive Jorge. Bukassa elogia a abertura para o estabelecimento do olhar e do lugar de fala de intérpretes pretos. “Queríamos que fizesse sentido com a nossa negritude”, demarca. O cineasta confirma a desconstrução do olhar do branco racista.

Visto como “um sobrevivente” em cenário opressor, o personagem Jorge, na construção do ator Bukassa, dá oportunidade para revisão nos dados de uma sociedade paternalista e machista, que silencia vozes como as das mulheres negras. “Ele é uma potência, mas é mansinho. Jorge é um sobrevivente, cético mas adotará novos conceitos ao reabilitar matrizes da ancestralidade. Ele se reconecta com as origens negadas, na figura de uma mãe-África”, explica. O papel deste elo coube a Elisa Lucinda, na pele de uma avó raizeira e benzedeira.

Com espaço para ação do sobrenatural, Bukassa reforça que a trama deixa o espectador livre de dar sentido para tudo que se passa na tela. O ator atenta, porém, para o tema do apagamento das origens dos negros, dado que gera condições para o perpetuar da posição em que, no passado, eles foram colocados. Elisa Lucinda aproveita a observação para complementar sobre a lacuna da valorização de artistas negros. “Tem que ficar constrangedora a situação de procurar ‘um ator preto’ para produções em cinema e tevê, no cenário da branquitude que trabalha no audiovisual do Brasil.”

À frente de papéis opressores, Zécarlos Machado e Stepan Nercessian também deixam seus recados. “O filme é um trabalho da maior qualidade estética, ética e de roteiro”, diz Zécarlos. Nercessian completa: “O filme é um policial. Não o vejo como terror. Quem toca o terror é tirano, violento e matador. Esse terror está na vida real: um terror, generalizado, que passa às 20h, a cada dia, na nossa tevê”.