Correio Braziliense
postado em 05/07/2020 06:40
Uma válvula de escape. Essa tem sido a função da comédia em meio à quarentena, período em que a maior parte da população se mantém isolada para cumprir as medidas de combate ao novo coronavírus, que já fez mais de 60 mil vítimas no Brasil. A prova disso é a quantidade de programas humorísticos na televisão e no streaming e de esquetes nas redes sociais que buscam ser um contraponto ao momento tenso e delicado do país, tanto por conta da doença, quanto por conta da questão política.“Em meio a tantas informações que são novas para todo mundo, queremos oferecer leveza, queremos fazer as pessoas rirem. O ser humano precisa de leveza, e o humor tem essa função de ser um líquido que ajuda a digerir a vida um pouco mais fácil. Mas sem alienar”, analisa o comediante Paulo Vieira, que atualmente está no ar no quadro Como lidar? do Fantástico, no Zorra e ainda também na recém-lançada série do Globoplay, Cada um no seu quadrado.
O brasiliense Daniel Villas Bôas, da Cia de Comédia Setebelos, que tem apostado nos formatos drive-in e on-line para fazer humor, diz que esse sempre foi o papel da comédia e que, agora, por conta do contexto, isso ficou ainda mais evidente. “Nesse momento a gente sabe o quanto tem sido difícil psicologicamente para muitas pessoas, tanto pelo isolamento por se sentirem sozinhos, pelas dificuldades financeiras. Então, nesse momento a comédia traz um pouco de alegria”, comenta.
“O humor já era uma ferramenta extremamente agregadora por meio da crítica, em que é possível passar muita informação. O humor é um cronista social dos tempos. Hoje a gente percebe a importância e a força dele”, completa Adriano Siri, integrante da cia Os Melhores do Mundo, que tem utilizado as redes sociais para novos projetos de comédia.
Para assistir
Cada um dos humoristas, ao seu modo, exerce essa função no meio da pandemia. Paulo Vieira é um dos nomes que ganhou projeção nacional. Na Globo desde o ano passado, na pandemia, ele estreou no Fantástico com o quadro Como lidar?, em que retrata o que tem passado em casa. “É uma comédia de costumes dos tempos atuais. Conto, em primeira pessoa, o que estou passando na minha casa durante a quarentena, as loucuras da minha cabeça, a maneira como eu enxergo tudo isso, com a lente do humor. É uma maneira de compartilhar os meus sentimentos com quem está na mesma situação que eu”, explica.
Saiba Mais
Ontem, a Cia de Comédia Setebelos apresentou no 1º Festival Drive-In, pela primeira vez, um espetáculo criado para a quarentena, intitulado Comédia para viagem. Nele, cada um dos integrantes, Daniel Villas Bôas, Daniel Lima, Leônidas Fontes, Lucas Moll e Saulo Pinheiro, levou vivências do cotidiano do distanciamento social para o palco. “O desafio do comediante é fazer as pessoas enxergarem as coisas mais triviais de um ângulo que elas não veriam. Nessa quarentena, tudo é material para se explorar: a situação dos casados e dos solteiros, a relação com os filhos, os desafios do supermercado e do delivery, o Netflix zerado”, comenta Daniel.
Além do espetáculo, que foi encenado ao vivo, o grupo tem feito lives todas às sextas-feiras com convidados do cenário de humor. Lá, também falam da situação cotidiana. “Colocamos uma lupa em cima de alguns pontos, o que fica potencializado por essa identificação e empatia que todo mundo tem com as situações”, complementa.
No ano em que a cia Os Melhores do Mundo completou 25 anos, Adriano Siri tinha uma programação agitada, que, acabou sendo impactada pela pandemia. Mas a criatividade não parou. Ele levou para a própria rede social o humor latente em si. Assim fez e ainda faz vídeos com o personagem Saraiva, policial conhecido de espetáculos do grupo, e criou o Ventriloquismo Picareta, em que atua com Mano, um boneco feito com uma meia e duas bolas de frescobol.
“Para gente que trabalha com criatividade e produção criativa de forma muito intensa, é muito difícil ficar parado. Comecei a tratar de inventar uma moda ou outra. Tem sido uma válvula de escape, alguma maneira de até abrir novos caminhos”, comenta. O ventríloquo mascarado foi uma ideia que surgiu logo quando começou a pandemia, por conta do uso da máscara, já que a habilidade é exatamente usar a voz de boca fechada. “Aquilo é uma piada, porque acaba com essa magia e com a brincadeira”, revela.
Siri também tem tocado um projeto que teve início no ano passado, mas que migrou para o âmbito on-line na quarentena: Comida & graça, com o chef Marcelo Petrarca. “É uma maneira de exercitar o improviso e associar o humor à gastronomia”, afirma.
Entrevista // Paulo Vieira
Você voltou ao ar com o quadro Como lidar?, no Fantástico, que é uma crônica de humor sobre a quarentena. Como surgiu a oportunidade do quadro? E como você chegou até o conceito de abordar a parte cotidiana do confinamento?
Assim como grande parte dos comediantes, eu sempre tive vontade de ter uma crônica no Fantástico. Para mim, está sendo a realização de um sonho. Os roteiristas Diego Tavares e Leonardo Lanna me apresentaram esse projeto, o Fantástico curtiu e eu adorei a ideia. Começamos a escrever juntos os episódios, sempre buscando chegar em uma linguagem interessante paras as limitações que temos nesse período de quarentena. Como lidar? é uma comédia de costumes dos tempos atuais. Conto, em primeira pessoa, o que estou passando na minha casa durante a quarentena, as loucuras da minha cabeça, a maneira como eu enxergo tudo isso. Com a lente do humor, a série retrata o meu dia a dia, a minha visão das coisas. É uma maneira de compartilhar os meus sentimentos com quem está na mesma situação que eu.
O quadro foi gravado remotamente, como tem sido feito boa parte das novas produções de humor. Quais foram os desafios e as melhores partes de fazer tudo em casa?
É a primeira vez que gravo dessa maneira, com quase toda a equipe trabalhando remotamente, pela internet. Venho de trabalhos muito coletivos e sinto falta dos meus profissionais que trabalham comigo, que me ajudam a fazer o projeto acontecer. Mas, em tempos de quarentena, estar trabalhando já é um privilégio. Mas é bem diferente do que estamos acostumados. Temos o diretor e a assistente de direção, por exemplo, pessoas importantes no set, me dirigindo de longe. É preciso ter muito mais atenção gravando dessa forma, além de jogar nas onze, para dar conta de todos os papéis. Além de ator e roteirista, ainda preciso ficar atento aos detalhes de arte e ajudar a resolver um plano e uma cenografia, por exemplo. Mas é muito legal, porque dá uma cara artesanal e verdadeira ao resultado final, que é o que eu mais quero passar nesse quadro. Outro desafio de fazer só é diversificar a linguagem e rebuscar o texto para que fique dinâmico, levando em conta que estou sozinho na tela. Também precisamos ousar nos planos, como mudar os planos para contar essa história no mesmo espaço de sempre.
Como é o processo de escolha dos assuntos e a construção do roteiro do programa?
Eu, o Diego Tavares e o Leo Lanna, os roteiristas do quadro, nos encontramos pela internet - como são os encontros hoje em dia - para uma reunião e fazemos um brainstorm de ideias até definir um tema. Depois começamos a pensar o que é legal dentro desse tema, que tipo de piada e cena a gente pode levantar. Em geral, quem sugere o tema já traz a ideia da cena junto. Vamos levantando as cenas e trocando ideias, um vai melhorando a ideia do outro até o roteiro sair.
O humor tem sido um verdadeiro remédio nessa pandemia em meio a tantas notícias ruins. Para você, qual é o papel e a importância do humor em meio a momentos como o que estamos vivendo agora?
O humor é fundamental, é uma válvula de escape. A grande dificuldade de fazer comédia nesse período é acertar no tom. Em meio a tantas informações que são novas para todo mundo, queremos oferecer leveza, queremos fazer as pessoas rirem. O ser humano precisa de leveza e o humor tem essa função de ser um líquido que ajuda a digerir a vida um pouco mais fácil. Mas sem alienar.
Você também faz parte da equipe do Zorra, que foi um dos programas que foi impactado na pandemia. Já existe alguma previsão de retorno? Você tem outros projetos em vista dentro da emissora?
Sigo gravando para o Zorra de casa também, assim como Cada um no seu quadrado, novo projeto que eu apresento com o Fernando Caruso, que estrou na sexta-feira (3/7) no Globoplay. Ele parte de uma premissa muito básica: tentar criar uma festa, uma mesa de bar, um papo entre amigos, mas com cada um no seu quadrado. Tem um clima de muita descontração. Na seleção de convidados, chamamos principalmente amigos, gente com quem gostamos de conversar, que a gente acha engraçado, divertido, para compor a melhor mesa de bar do mundo. Chegamos em uma seleção de quatro amigos por episódio, e os convidamos para bater papo, jogar conversa fora, falar da vida, jogar, se divertir. Para cada um comer e beber na sua casa. Está sendo muito divertido gravar isso. Estou trabalhando muito durante a semana, mas o momento dessa gravação é realmente um encontro com amigos. O Caruso é um grande companheiro, faço Zorra com ele, um cara talentoso demais. É uma honra estar com ele, e os convidados são muito legais: são muito amigos ou são pessoas que eu queria muito conhecer. Está sendo realmente divertido. E ainda tem a Dani Gleiser, que eu admiro muito; o Lau, que já dirigiu ‘Isso é muito a minha vida’, que também amo de paixão; e a Dani Ocampo, que é uma gênia na comédia. Estou amando fazer esse projeto e acho que as pessoas vão se impressionar com o resultado. Está sendo feito com muito amor.
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