Correio Braziliense
postado em 03/07/2020 08:30
Tetê Espíndola é uma artista cuja trajetória é capaz de dar múltiplos significados à expressão “dom da natureza”. São mais de quatro décadas se dedicando à recriação de paisagens sonoras e universos oriundos da ecologia.
Terezinha Maria Miranda Espíndola nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1954. Os tios trigêmeos da pequena Tetê, fãs de música erudita, eram irmãos inseparáveis, que tocavam piano a seis mãos e, dessa maneira, fixaram o som das oitavas do piano na mente da menina. Ela ficava escondida embaixo do instrumento ouvindo e logo descobriu o raro talento de alcançar duas oitavas completas com seu registro vocal agudo. Não foi levianamente que o poeta Augusto de Campos disse, mais tarde, que ela tinha “pássaros na garganta”, epíteto que deu nome ao segundo LP solo da cantora, lançado em 1982. O primeiro, a rigor, foi Piraretã, lançado em 1980.
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Na adolescência, a paixão foi pela música dos trios paraguaios que o pai recebia em casa para fazer serenatas. “Papai adorava a guarânia e a polca, e recebia esse trio — aquela harpa paraguaia, aquele baixo acústico — e eu acordava de madrugada para ouvir”, ressalta.
A mudança
Esteticamente, essa nunca deixou de ser a tônica da trajetória de Tetê. Em 1968, ela e quatro dos sete irmãos, todos artistas, resolveram pegar a estrada entre Campo Grande e Cuiabá (Mato Grosso) para fazer dinheiro com as cantorias. O grupo chamava-se LuzAzul. Em 1977, Tetê e Celito se mudaram para São Paulo, como embaixadores do grupo musical familiar, para tentar carreira por lá. Tocaram na noite paulista e, após testes com várias gravadoras, descolaram um contrato com a Polygram/Phillips. Os outros irmãos vieram a reboque e, a pedido da gravadora, o grupo mudou de nome.
Assim, em 1978, o primeiro discou chegou com o nome Tetê e o Lírio Selvagem. “Na minha época, ninguém falava sobre ecologia, ninguém se preocupava com isso. Mas eu e meus irmão estávamos de olho nesse futuro, a gente falava sobre destruição e cantava a beleza da natureza. Essa é uma preocupação muito grande porque, se não tem árvores, não tem pássaros, e, se não tem pássaros, não tem cantos, não tem som na natureza. Isso me preocupa”, conta.
Depois do sucesso do primeiro disco, o bando se dispersou. Cada um foi seguiu seu trabalho solo, mas continuaram participando ativamente da discografia uns dos outros. Tetê logo se mancomunou com o compositor Arrigo Barnabé, integrou-se à Vanguarda Paulista e a nomes como Itamar Assumpção e lançou Piraretã, em 1980, e Pássaros na Garganta, em 1982. O trabalho vanguardista da cantora ganhou dois epítetos marcantes de dois paulistanos vanguardistas com ela.
Do poeta Augusto de Campos, veio o adágio de que ela teria “pássaros na garganta”, que se tornou o título do disco. “Naquela época, eu não fazia improviso, eu gritava, me sentia alertando a humanidade, dando esse grito para todo mundo prestar atenção nas nossas músicas, dos meus irmãos e minhas. Quando a gente era adolescente, gritava e falava só de amor, pôr do sol, pássaros... Então, foi por isso que fiquei conhecida como a cantora que tem pássaros na garganta.
De Arrigo Barnabé, veio o rótulo de “sertanejo lisérgico” para a música dela. “Eu fazia canções com ele, e ele fazia músicas para eu cantar e comecei a entrar nessa vibe atonal e dodecafônica da Banda Sabor de Veneno (Banda do Arrigo Barnabé). Aí, eu sem gravadora, no auge da música independente quando aconteceu o Lira Paulistana e eu resolvi fazer Pássaros na garganta”.
Após vários êxitos comerciais, (como o sucesso atemporal Vida cigana, a maior aclamação de Tetê viria em 1985, quando Tetê se sagrou vencedora do Festival dos Festivais da Rede Globo com o grande sucesso Escrito nas estrelas. Em recente entrevista à websérie Papo de Música, no YouTube, em celebração aos 40 anos de carreira, a intérprete conta para a jornalista Fabiane Pereira como a música composta pelo marido, Arnaldo Black, ganhou letra do parceiro Carlos Rennó, em homenagem ao casal. “A gente já estava junto há uns cinco anos e, na verdade, o Carlinhos foi o cupido entre nós dois, porque estava morando na casa do Arnaldo e me convidou para ir lá. E eu fui o cupido desse encontro dos dois, porque, quando ouvi a música, falei: ‘Porque você não dá para Rennó pôr a letra? Foi um casamento perfeito.”
Na quarentena
Do casamento com Arnaldo Black, nasceram três rebentos: o selo LuzAzul, que assina muitos dos 20 discos da cantora; e os filhos Dani Black, que seguiu a tradição musical da família, além da cineasta Patrícia Black.
A quarentena chegou interrompendo a agenda musical da cantora, com datas marcadas até junho, incluindo o show do disco mais recente, Outro lugar (2017), em que ela faz um duo com o percussionista Caito Marcondes, e a participação em um show comemorativo dos 40 anos do álbum Clara Crocodilo, de Arrigo Barnabé. Mas a parada deu à inquieta artista a oportunidade de bolar o projeto Na toca com Tetê. “Eu convido alguns músicos maravilhosos, cantoras, minha família inteira, e nós, da LuzAzul (Tetê e Arnaldo) faremos vídeos caseiros apenas com dois celulares, edição e muita criatividade.É muito emocionante porque estou revivendo toda minha trajetória. ”
Do início da carreira até agora, Tetê esteve sempre atenta às novidades. “A minha carreira é muito mais de CD do que de LP. Mas eu acho muito bacana você poder gravar no seu próprio celular, escrever suas letras no computador. Eu convivo com toda essa moçada nova, que são amigos e parceiros do Dani, e é claro que a gente estranha, porque é muita coisa: é vídeo, é IGTV, é YouTube, então, é preciso se adaptar. E a idade traz muita sabedoria, a gente vai ficando cada vez melhor, isso é fantástico. E, convivendo com essa geração nova, vamos aprendendo a mexer nessas novas ferramentas. Eu acho ótimo, sejam bem-vindas”, finaliza.
*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira
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