Faz parte da tradição da capital federal a realização de festivais que celebram diferentes manifestações artísticas. No entanto, com a pandemia, esses eventos, normalmente realizados de forma física, precisaram se adaptar aos formatos on-line e até drive-in. Esse foi o caso das novas edições da Mostra Dulcina, do Festival de Cinema de Taguatinga, do Festival Latinidades e do Curta na Rua.
Valorização das artes cênicas e visuais
Pela primeira vez em 31 edições, a Mostra Dulcina terá uma versão on-line e também com exibições em formato drive-in para compartilhar o trabalho desenvolvido pelos alunos da Faculdade Dulcina de Moraes, no Conic, durante o semestre, que, também foi virtual por conta da pandemia. “Sem a possibilidade de usar o espaço, onde normalmente acontece a Mostra Dulcina, veio a ideia da realização on-line, tanto para valorizar o trabalho dos alunos, quanto para dar visibilidade a nossa campanha”, diz Liana Farias, secretária executiva e produtora executiva do Complexo Cultural Dulcina de Moraes, fazendo menção ao Levante Dulcina (https://www.dulcina.art.br/levantedulcina), que busca arrecadar verba para a reestruturação física e financeira da Fundação Brasileira de Teatro (FBT).
Saiba Mais
“Não são apresentações de espetáculos. São performances artísticas em formato audiovisual. Será publicada uma série de vídeos e de imagens dos alunos. Algumas turmas criaram perfis específicos e farão lives contando o processo de criação desses trabalhos e discutindo o fazer artístico na pandemia dentro desse formato”, explica. “Nesse momento em que estamos vivendo fica mais clara a importância da arte. Tanto para o desabafo do artista, quanto para o consumo do público. A arte é o segundo alimento”, comenta.
A novidade deste ano é a presença de nomes importantes que tiveram relação com Dulcina de Moraes. Logo na estreia, sexta, a cineasta Glória Teixeira, que fez o documentário Dulcina, faz a mediação de um bate-papo com Nicette Bruno, Suely Franco, Françoise Forton e Murilo Rosa. Também está confirmada na programação uma masterclass com o produtor Marcelo Fonteles sobre desenvolvimento de projetos culturais.
A programação conta com a palesta “Autoagenciamento artístico e cultural”, com Thiago Magalhães; a exibição do média-metragem Não é preciso ser feliz para recomeçar, de Fernando Guimarães, sobre a pandemia; os documentários da série 3,2,1... Gravando! Uma mostra de artistas no caos; e uma aula aberta com Raissa Gregoria sobre “Editais de recursos para produção cultural”. O conteúdo de atividades completo será divulgado nas redes sociais da Faculdade Dulcina (@facdulcina).
Debate racial e de gênero
No ano passado, o Festival Latinidades — Festival da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha teve que deixar à capital federal como sede devido a problemas orçamentários e fez uma edição em São Paulo. Por conta da pandemia, na 13ª edição, o evento ganha formato virtual e poderá ser acompanhado por pessoas de qualquer parte do Brasil e do mundo. “Ano passado a gente teve que sair da cidade. Agora vamos ter que fazer on-line. Estamos indo junto com a maré e superando as dificuldades, o que não dá é para parar”, comenta Jaqueline Fernandes, uma das idealizadoras.
Criado para celebrar o Dia da Mulher Afro Latina Americana e Caribenha, comemorado em 25 de julho, o festival reúne multilinguagens para compartilhar saberes e discutir temáticas que envolvam raça, gênero e diáspora. A nova edição ocorre de 22 a 27 de julho nas redes sociais, como o Instagram (@afrolatinas).
. “Esse tema vem sendo construído desde o ano passado. Diz muito sobre a nossa história. Para mim, 13 anos foi uma idade de muita utopia, tinha sonhos inalcançáveis para uma menina negra periférica de Planaltina. Quando me lembro dessa menina e de um festival de 13 anos que se torna referência, projeta a data para o Brasil e ter conseguido isso em Brasília, tudo era uma utopia. No meio de uma distopia e uma crise humanitária, a gente precisa conseguir ter fôlego e sobreviver para projetar o futuro. Essa é a mensagem que a gente quer trazer esse ano, a utopia como legado”, explica.
Antes, entre sexta e sábado (4), será realizado o esquenta do Festival Latinidades, uma parceria com o Centro Cultural de São Paulo e a prefeitura do estado. “A gente teve esse foco de buscar artistas negros de São Paulo por ter o apoio da capital paulista. Buscamos um pouco da experiência presencial que o Latinidades têm de diversas linguagens para a programação”, revela Jaqueline.
Durante dois dias, o esquenta do Festival Latinidades terá programação das 17h às 22h com presença de Agbara Crew, Lunna Rabetti, Dj Odara Kadiegi, Aísha, MC DellaCroix, Giselda Pêre, Zona Agbara, Denise Alves, Nduduzo Siba, Jasper e a Gana e Priscilla Fenics, com apresentações musicais e de dança, além de contação de histórias e bate-papo. Programação completa e transmissão no Instagram do CCSP (@ccsp_oficial).
Festa do cinema acessível
Flexibilização e acolhimento são palavras de ordem na organização do Festival Taguatinga de Cinema que chegará, sábado (4), à 15ª edição. O evento será estendido até 29 de agosto, quando haverá cerimônia de premiação dos concorrentes. “Na temática, primam as narrativas de igualdade racial e de gênero, democracia e desigualdade social.
Somos sensíveis a questões que retratem a realidade nacional. Entre os filmes, aqueles que mostram a construção de identidade periférica tendem a se destacar”, observa a coordenadora do evento Janaína André, numa das frentes do evento idealizado pelo cineasta William Alves.
Quatro mostras estão concentradas na programação: além da competitiva, com 24 filmes; há mostra paralela, segmento infantil e mostra da seleção popular, dominada por mais de 400 filmes. As estreias, na competitiva, serão às 20h de cada sábado (com três filmes). O bloco de títulos infantis será incorporado em agosto. Este ano, tudo será conferido on-line (festivaltaguatinga.com.br), sem exibições no Teatro da Praça que, num crescente, mantinha média de público de 400 pessoas, a cada noite.
Além de driblar as dificuldades de mobilidade na noite taguatinguense (especialmente para quem depende de ônibus), de outras edições, o circuito on-line trará comodidade e objetiva ampliação de metas: a previsão é de que os 50 mil acessos, demarcados nas sessões prévias ao festival efetivo (em anos anteriores), seja triplicado. “A democratização sempre nos impulsionou. Nas prévias, é o público que garimpa o que quer ver no evento, ao acessar o acervo de inscritos: e, agora, a formatação dará mais tempo para que os filmes sejam vistos em casa”, reforça Janaína André.
Negritude massa
A inspiração por mudanças e as expectativas da reconstrução de relações humanas “mais positivas” movem o cantor Yuri Mello, uma das atrações na programação cultural do Macarrão na Rua (no estacionamento da CLN 206). Ansiosamente, ele aguarda pelo retorno “dos sorrisos nas ruas, na melhor onda possível”. Junto com sessões de cinema, Mello estará em live musical, no local em que estão programadas (no esquema de drive-in) exibições de filmes, sábado, às 20h e às 21h30.
Com acesso livre, e rigor nos protocolos de saúde, o integrante da banda Reggae a Semente celebrará o evento Curta na Rua, formatado ainda pela projeção dos curtas-metragens Alma no olho (Zózimo Bulbul), KBELA (Yasmin Thainá), Carolina (Jeferson De) e O dia de Jerusa (Viviane Ferreira). O curador da mostra, toda voltada para o potencial de criadores negros, Amaru Cobelo destaca a importância da luta histórica de precursores cineastas negros da estatura de Zózimo Bulbul, Joel Zito Araújo e Adélia Sampaio.
Ainda que pese o receio da “captura pelo mercado” de produções alinhadas à negritude e às relações raciais como “nicho de mercado”, Cobelo comemora “o movimento de abertura de espaços para o cinema negro, a exemplo do que ocorre com outros tipos de discursos e linguagens ligados a grupos e movimentos que têm as questões identitárias como pedra de toque”.
Duas perguntas
Quais as propostas para animar as pessoas em momento tão difícil?
Creio que o que mais nos anima, no momento, seja a esperança. No Brasil estamos lutando contra uma pandemia e contra o negacionismo e o obscurantismo o que torna as coisas muito mais difíceis. Como negro, participante de uma mostra de cinema negro, minha música será resistência, como tem sido a nossa própria existência. União, resistência e, fundamentalmente, amor, é o que quero preconizar, trazendo a esperança do verbo “esperançar”, e não do substantivo “espera”, como dizia Paulo Freire.Como luta pelo sustento, em meio à pandemia?
O meu sustento ainda se dá pela música já que também sou professor particular de violão. Mantive a metade de meus alunes dando aulas por videochamada. Minha companheira também está trabalhando de casa; juntos temos conseguido pagar as contas. Conviver com a pandemia é conviver com o isolamento e isso tem sido um desafio. Na música, os encontros são semanais, com ensaios e apresentações, mas, para além das minhas dificuldades (majoritariamente psicológicas), sei que a maior parte do Brasil está vulnerável (financeiramente e com relação à saúde) e temos um governo que não se importa com a população em geral, apenas com seus eleitores — isso é o que dá mais angústia: saber que tem muita gente desamparada.
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