O movimento de cultura popular Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro comemora o aniversário de uma forma diferente este ano. A trupe, regida pelo mestre Tico Magalhães, não pôde realizar as festas tradicionais, pela primeira vez desde a fundação, em homenagem aos personagens míticos do Cerrado, devido aos percalços da pandemia. Entretanto, como prova o grupo, a cultura popular não para, se reinventa.
Com esse sentimento, Tico lança, amanhã, o livro O mito do Calango Voador e outras histórias do Cerrado, que reúne os principais contos míticos vividos pelo Seu Estrelo e pela Orquestra Alada Trovão da Mata, nas mais diversas manifestações artísticas e culturais. A publicação surge como uma forma de celebração, registro e partilha do conhecimento desenvolvido pelo grupo. O lançamento faz parte do Circuito Candango de Culturas Populares e conta com apoiadores, como a Rosa dos Ventos e a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal.
“O livro veio no momento certo. Quando mais se precisa dele, quando a gente não pode se reunir. É uma forma de fazer as pessoas entenderem a nossa brincadeira, com elementos da cidade e da mata. A criação dessa identidade era parte obrigatória para não só reproduzirmos itens de outros espaços culturais, mas responder à história do Cerrado que está impressa no imaginário e no nosso corpo inteiro. É uma forma de reexistir e continuar fazendo o que a gente faz. As pessoas que compõem Seu Estrelo e a Orquestra Alada fazem por amor, para transformar a cidade e estarem, de alguma forma, junto a outras pessoas”, explica o autor.
Referências
Os 16 anos de história do grupo, celebrados em 15 de junho, são marcados também pelo samba pisado. O ritmo, desenvolvido pelo grupo, bebe da fonte do Maracatu, do Cavalo Marinho e de outras brincadeiras nordestinas, além de ter elementos típicos da cultura afrobrasileira. Ainda assim, seu traço mais forte é a originalidade, por trazer elementos do Cerrado e das matas que envolvem a capital do Brasil.
“Eu brincava e tocava no grupo Maracatu Estrela Brilhante, no Recife, e fazia parte das tradições populares de lá. Simultaneamente, no período dessa primeira vinda para Brasília, comecei a conhecer o mestre Salustiano e o Maracatu Rural, e me abrir para esse lugar. Ao primeiro momento, o meu encontro com o Cerrado foi um assombro”, lembra, entre risos, o autor pernambucano radicado em Brasília.
A ideia do projeto, enquanto nascia, era dar de presente a Brasília e ao Cerrado uma identidade cultural e uma mitologia própria, em que as figuras encantadas tomam as formas dos elementos típicos da natureza. Então, decidiram criar uma brincadeira expressa no ritmo musical, dança, teatro, vestuário, letra das toadas, e agora, na própria literatura.
O Circuito Candango de Culturas Populares, do qual o livro faz parte, tem abraçado a continuidade e a adaptação das ações. “Estamos experimentando o 'fazer cultura popular’ digitalmente ou no formato serenata e drive-in. O circuito tem a proposta de adaptação para esse novo normal em que, mesmo distantes, estamos muito próximos, em pensamento e comunicação. Estamos nos movimentando para criar alternativas e soluções, e assim não deixar de festejar as nossas matrizes”, explica Stéffanie Oliveira, responsável pelo Circuito Candango e Rosa dos Ventos, e membro-fundador do Seu Estrelo.
A produtora cultural completa com a reflexão sobre o processo de adaptação dessas tradições. “Como faremos para não ferir a tradição e o sagrado? Como podemos ocupar os espaços virtuais e nos reinventarmos dentro da nossa própria criatividade? Ainda assim, apesar da tradição, a cultura popular não é estática. Ela é naturalmente reinvenção”, destaca Stéffanie.
A apresentação oficial do livro ao público, amanhã, será em uma live, a partir das 19h, com a exibição de um minidocumentário inédito, contendo depoimentos de personalidades da cultura popular sobre a obra. Os interessados podem acompanhar a programação por meio das redes sociais do Circuito Candango e do Centro Tradicional de Invenções Populares, sede do Seu Estrelo.
O mito do Calango Voador e outras histórias do Cerrado
De Tico Magalhães, sobre o movimento de cultura popular Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro. Teixeira Gráfica e Editora, 91 páginas. Preço sugerido: R$ 15.
*Estagiário sob supervisão de Igor Silveira