Preservação ambiental e amplo sentido de coletividade são alguns dos comportamentos de indígenas legítimos que ecoam numa iniciativa de projeção internacional: o concerto SOS Rainforest LIVE, com exibição amanhã (21/06), a partir das 16h, no YouTube e no TikTok, que reunirá mais de 40 artistas. Nomes como Sting, Manu Chao, Caetano Veloso, Anitta, Iza, Gaby Amarantos e Jorge Drexler tomam parte da iniciativa. Auxiliar indígenas, num momento de fragilidade dado o novo coronavírus, por meio de doações, está no objetivo central da Rainforest Foundation (em pool que reúne Noruega, Estados Unidos e Reino Unido), organizadora da união dos ativistas.
Citando Bob Marley, pela frase “um amor, um coração”, o músico Evandro Mesquita, integrado ao evento, conclama: “É hora de olhar para o ser humano, independentemente da raça, credo, opinião política ou sexo. É o momento de dar as mãos em busca de uma solução para este mal que aflige o planeta inteiro, principalmente populações mais carentes e indígenas”. A cumplicidade com mensagens de vida das tribos data de 1998, quando Mesquita conheceu líderes das tribos Kamaiurá e Kuikuro. “Homenagens aos povos indígenas foram constantes, em músicas e shows, até com uso de cocar, na Blitz”, sublinha.
Na opinião de Carlinhos Brown, elencado para o show, a unidade dos artistas traz um recado de responsabilidade para os governantes. “Sejam éticos. Responsáveis. É tudo que precisamos nesse momento”, diz.
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Ressaltando a diversidade de cerca de 305 povos indígenas — “cada um com sua cultura, seu modo de vida, divindades e línguas” —, Maria Gadú, uma das curadoras da celebração musical on-line, aponta conceitos de índios, naturalmente, encampados por ela. “A generosidade com a terra e com o bem viver, a compreensão de que somos parte de um complexo sistema ambiental com fauna e flora, e o inigualável respeito à sabedoria dos mais velhos são aprendizados de comportamentos de tribos e tenho muita admiração por isso”, completa.
A SOS Rainforest Live, com adesão de ativistas, como Camila Pitanga, Wagner Moura, Sebastião Salgado e Oona Chaplin (atriz das sagas Avatar e GoT) e apresentações de Gilberto Gil e da banda mexicana Maná, se concretiza como “uma grande aliança”, pelo que destaca Maria Gadú que assume a transformação de veículos na construção de metas para 2020. “Reformulamos maneiras com que trataremos dos assuntos que nos são importantes. A internet está agora, mais do que nunca, sendo usada como possibilidade de expansão para além do voyeurismo social e do comércio exacerbado. Acredito que as construções de saberes e lugares têm sido trabalhadas pelas lideranças e, sobretudo, pelas minorizadas”, observa.
Entrevista // Carlinhos Brown
Como o brasileiro encara os indígenas?
Muito mal. Conhecemos pouco nossa história, não respeitamos nossos antepassados como deveríamos. Mas vejo também muita coisa positiva acontecendo, muitos grupos se unindo cada vez mais em ações para aumentar essa consciência. Precisamos ter esperança e seguir lutando, agindo, buscando os melhores exemplos e principalmente escutando, de verdade, o que as lideranças indígenas têm a nos dizer.
Abraçar uma causa nobre traz que recompensa? Há paralelo com outro momento?
Há paralelo com tudo que faço. Só posso ser pleno como artista se eu observo, reconheço e traço minhas ações consciente de todo contexto histórico, sociocultural, socioeconômico.O Candeal, em Salvador, é um exemplo disso, de como é possível através da arte, transformar realidades. Não acho também que seja algo nobre. É basicamente uma obrigação, uma missão do artista, ser coexistente com o seu tempo.
Além da esfera indígena, que localidade precisa de intervenção mais imediata, dada a pandemia?
Em Salvador, o centro da cidade e as grandes áreas periféricas, onde há uma grande concentração de pessoas, de comunidades, é a que mais urge de atenção. É onde reside a maior parte dostrabalhadores que move o sistema.
Como percebe a mobilização do exterior, em contraponto com países que pensam em contingenciar estímulos para segmentos sanitários?
O Brasil é um país gigante em números, em diversidade de culturas, de biomas e de grande desordenamento social por conta de uma desigualdade gritante. Tenho visto as governanças municipais agindo de forma bastante responsável e isso tem garantido uma contingência maior do caos sanitário. Isso é imprescindível agora. Muitos países estão dando os melhores exemplos, fazendo isolamentos sérios, ordenados. Precisamos seguir esses modelos.
Como percebe a obra e adesão dos colegas da live?
Sting sem dúvidas é uma grande inspiração para todos nós. E cada um dos artistas que está envolvido nesse movimento, merece nossos aplausos e nosso reconhecimento. A luta é constante. Os holofotes devem estar mais voltados para a causa do que para os artistas até.
Na sua trajetória, cultiva muita textura indígena?
Totalmente. Meu trabalho tem essa inspiração constante. São as fontes que me alimentam e me permitem criar e seguir reunindo novas inspirações. Em 2015, lancei os personagens Paxuá e Paramim, que ganharam vida em uma composição que vem percorrendo caminhos, levando essa consciência de preservação da nossa história, da importância do cuidado com a vida, que é isso que a cultura indígena nos ensina. Com os personagens, nasceu o Sarau Kids e nós fizemos em abril, inclusive, a Live Sarau
Kids, no Dia do Índio, com muita música e apresentando também as histórias animadas desses personagens que são defensores do meio ambiente.
Entrevista // Maria Gadú
Quais os grandes desafios de um projeto de tal envergadura? Quais as expectativas e surpresas para o evento?
Os desafios de sempre: comunicar a população que as pautas ambientais e indigenista são importantes. Trazer as pessoas pra dentro dessa luta, que é de todo mundo. Acreditamos que através do lugar de fala das lideranças indígenas com informações, da arte, do afeto, podemos ampliar o alcance das causas socioambientais. Acho que agrande surpresa é a grande reunião de tantas pessoas importante unindo suas vozes às vozes dos povos indígenas.
Como vê influências dos cantos indígenas e de sua sonoridade?
Os cantos indígenas influenciaram e influenciam muito a música brasileira, mesmo que as pessoas não percebam ou não saibam disso. A intersecção indígena e negra resultou em ritmos e formas musicais muito ricas em todos os cantos do país, pois etnias diferentes, com músicas e línguas múltiplas se espalham por todo o território brasileiro. Posso falar sobre o Milton Nascimento, que em 1989 visitou, a convite de Beto Ricardo, do Instituto Socioambiental (ISA), os Ashaninka, no Acre. A visita
foi feita um ano após a entrada de pautas indígenas naconstituição de 1988. Após essa excursão pela Amazônia acreana, algo que Milton descreve como um dos melhores acontecimentos de sua vida, nasceu o álbum Txai, em 1990. O álbum discorre sobre sonoridade, cantos indígenas e tem a participação de Benke Piyãko, e Marluí Miranda, grande artista que dedica sua musicalidade a canções indígenas.
Concomitante ao feminismo, a lista de atrações traz nomes femininos que expandem causas. Artistas mulheres parecem extrapolar o campo, buscando avanço e melhoria para comunidade indígena, independente de sexo... Há ampliação de conquistas?
Nunca podemos falar “independente do sexo” num mundo que é claramente sexista na forma de tratar mulheres. Estamos em campos diferentes ampliando conquistas a duras penas. Mas esse é um trabalho de anos e anos de mulheres de diferentes pertencimentos. Temos hoje Sônia Guajajara, Shirley Krenak, Célia Xacriabá, Watatakalu Yawalapiti e tantas outras, mostrando que liderar, saber, possibilitar tem que ser na base da igualdade. Se elas denominam essa luta como feminismo, ou não, é um assunto a se tratar com as mesmas, já que estão construindo uma diáspora
com força e lugar de fala.
Entrevista // Evandro Mesquita
Quem é o índio para o brasileiro?
Talvez o brasileiro ainda não tenha percebido a força da música e do “batuque” indígena na nossa cultura. O povo indígena tem uma sabedoria milenar, são os maiores guardiões das florestas e, principalmente, são os que vivem em maior harmonia com oplaneta. O olhar primitivo pro ser humano é fundamental e mais necessário do que nunca.
Sua veia artística bebe de inspiração indígena?
Certamente, inspiração indígena e africana, que veio com a chegada dos escravos. O “batuque” primitivo, a flauta de taquara, a musicalidade, o chocalho e os tambores estão na nossa música e cultura, disseminados e até meio poluídos, mas com a alma viva e em constante pulsação.
Que recado a unidade de artistas de alcance internacional dá aos governantes?
É um grito de guerra, um pedido de socorro por um olhar mais cuidadoso pra não deixar a “boiada” passar. Mostrar a importância das florestas, dos animais e dos povos indígenas. Um grito de solidariedade, com o coração em paz, dançando e lutando com os indígenas, vivendo e aprendendo com eles. Darcy Ribeiro falava que a morte de um cacique ou pajé é igual ao incêndio numa biblioteca: eles são fonte de conhecimento, que aos poucos perdemos com a morte. Eu sou otimista e acredito que o homem vai dar a volta por cima, vai aprender a valorizar os índios, as florestas e a viver em mais harmonia com o planeta.
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