A escritora Claudia Lage sempre se incomodou com um certo silêncio em relação à época da ditadura militar. Desse incômodo nasceu o romance O corpo interminável, que acompanha um casal de jovens em uma trajetória de redescoberta da suas histórias familiares. O romance também será tema do debate Narrativas femininas em tempos de repressão, que encerra, nesta sexta (28/5), às 19h, a 8 temporada da .
Claudia conta que começou a desenhar O corpo interminável quando se deu conta de que conhecia pessoas que haviam participado da guerrilha nos anos 1960, mas que nunca haviam falado sobre o assunto. “Para mim foi assustador, é como se estivessem abafando a própria história pessoal, além da história do país”, garante. “É um assunto que sempre me incomodou esse silêncio sobre essa época da nossa história. Minha geração sempre teve um desconhecimento muito grande, embora fosse uma geração de filhos da ditadura”, diz.
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De certa forma, O corpo interminável também fala de um Brasil contemporâneo e de como o desconhecimento histórico pode levar um país a repetir o passado. “Pra mim tudo aconteceu quando a gente começou a perceber que grande parte da população não conhecia nossa história e por isso embarcou nessa onda maluca conservadora. A gente percebeu que tem um buraco. O buraco da Alice, um lugar no qual a gente acaba caindo. Se a gente não consegue enxergar nossa história, não consegue ter o mínimo de consciência”, avalia Claudia, que também é roteirista e criou, em 2012, junto com João Ximenes Braga a novela histórica Lado a lado.
O corpo interminável
De Claudia Lage. Record, 194 páginas. R$ 54,90
Duas perguntas para Claudia Lage
A questão da presença feminina nas lutas ideológicas é importante no livro. Por quê?
Li tantos livros sobre a guerrilha e poucos livros de mulheres guerrilheiras, então fui buscar isso no depoimento da Comissão da Verdade e tinha bastante. Como escritora eu queria falar do feminino e trazer essa voz, especialmente quando percebi que, dentro da própria guerrilha as guerrilheiras eram silenciadas. Por mais que tivessem participado ativamente, tinham sofrido apagamento. Não eram simplesmente mulheres ou parceiras, elas eram guerrilheiras, tinha ambições políticas. E o interessante é que nos livros dos caras, eles falam das mulheres, mas muito no sentido de como era bom estar com mulheres bonitas e transar livremente. Então foi preciso buscar os livros delas para entender que várias forças se cruzavam ali: liberação da pílula, casamento sendo questionado, a questão da mulher o mercado de trabalho sendo questionado, a virgindade sendo questionada. Esse limites do patriarcado que precisam ser desmontados estavam sendo questionados pelas mulheres.
O livro fala de hoje também?
Acho que sim, porque da mesma forma que os personagens tiveram que olhar pra história e encarar esse buraco deixado pela nossa ignorância, a gente também está olhando para esse buraco. O livro engrenou e tomou corpo quando entendi que eles tinham que olhar pra esse vazio deixado pela nossa cegueira. O grau de instabilidade que a gente tem pessoal, emocional e em relação à democracia, e que a gente achava que não tinha, porque até 2015 a gente achava que tinha essa democracia. E agora? O livro é meio esse momento de suspensão: ou a gente olha esse buraco, ou cai nele.