Diversão e Arte

Em live, a escritora Claudia Lage vai falar sobre narrativas femininas

Criadora da novela 'Lado a lado', Claudia Lage participa da Quarentena Literária da Record nesta sexta (29/05), às 19h


A escritora Claudia Lage sempre se incomodou com um certo silêncio em relação à época da ditadura militar. Desse incômodo nasceu o romance O corpo interminável, que acompanha um casal de jovens em uma trajetória de redescoberta da suas histórias familiares. O romance também será tema do debate Narrativas femininas em tempos de repressão, que encerra, nesta sexta (28/5), às 19h, a 8 temporada da .

Claudia conta que começou a desenhar O corpo interminável quando se deu conta de que conhecia pessoas que haviam participado da guerrilha nos anos 1960, mas que nunca haviam falado sobre o assunto. “Para mim foi assustador, é como se estivessem abafando a própria história pessoal, além da história do país”, garante. “É um assunto que sempre me incomodou esse silêncio sobre essa época da nossa história. Minha geração sempre teve um desconhecimento muito grande, embora fosse uma geração de filhos da ditadura”, diz. 

Saiba Mais

Um dia ela se deparou com uma foto de uma guerrilheira morta divulgada pela Comissão da Verdade. A imagem não saiu da cabeça e o romance começou a tomar forma. No livro, um rapaz vai em busca da história da própria mãe, que ele não conheceu, e se depara com a história do país. “Achei que podia ser uma metáfora para esse patriarcado que tem que se deslocar um pouco. As histórias das mulheres foram surgindo, das guerrilheiras que foram silenciadas e que sofreram duplamente nas torturas, que eram muito xingadas pela condição de serem mulheres”, conta. “A repressão foi muito dura com elas porque era uma transgressão que ia além da política, era existencial. Quando chegavam na sala da tortura eram questionadas: por que não estava em casa, cuidando dos filhos, por que não tinham se casado?”. À medida que Daniel, o personagem, descobre a trajetória dessas mulheres ele vai mergulhando num período difícil da história brasileira.  

De certa forma, O corpo interminável também fala de um Brasil contemporâneo e de como o desconhecimento histórico pode levar um país a repetir o passado. “Pra mim tudo aconteceu quando a gente começou a perceber que grande parte da população não conhecia nossa história e por isso embarcou nessa onda maluca conservadora. A gente percebeu que tem um buraco. O buraco da Alice, um lugar no qual a gente acaba caindo. Se a gente não consegue enxergar nossa história, não consegue ter o mínimo de consciência”, avalia Claudia, que também é roteirista e criou, em 2012, junto com João Ximenes Braga a novela histórica Lado a lado
 
O corpo interminável
De Claudia Lage. Record, 194 páginas. R$ 54,90

Duas perguntas para Claudia Lage

A questão da presença feminina nas lutas ideológicas é importante no livro. Por quê? 
Li tantos livros sobre a guerrilha e poucos livros de mulheres guerrilheiras, então fui buscar isso no depoimento da Comissão da Verdade e tinha bastante. Como escritora eu queria falar do feminino e trazer essa voz, especialmente quando percebi que, dentro da própria guerrilha as guerrilheiras eram silenciadas. Por mais que tivessem participado ativamente, tinham sofrido apagamento. Não eram simplesmente mulheres ou parceiras, elas eram guerrilheiras, tinha ambições políticas. E o interessante é que nos livros dos caras, eles falam das mulheres, mas muito no sentido de como era bom estar com mulheres bonitas e transar livremente. Então foi preciso buscar os livros delas para entender que várias forças se cruzavam ali: liberação da pílula, casamento sendo questionado, a questão da mulher o mercado de trabalho sendo questionado, a virgindade sendo questionada. Esse limites do patriarcado que precisam ser desmontados estavam sendo questionados pelas mulheres.

O livro fala de hoje também?
Acho que sim, porque da mesma forma que os personagens tiveram que olhar pra história e encarar esse buraco deixado pela nossa ignorância,  a gente também está olhando para esse buraco. O livro engrenou e tomou corpo quando entendi que eles tinham que olhar pra esse vazio deixado pela nossa cegueira. O grau de instabilidade que a gente tem pessoal, emocional e em relação à democracia, e que a gente achava que não tinha, porque até 2015 a gente achava que tinha essa democracia. E agora? O livro é meio esse momento de suspensão: ou a gente olha esse buraco, ou cai nele.