Diversão e Arte

'Um crime entre nós' traça triste radiografia da exploração sexual infantil

Documentário está disponível em streaming, na semana marcada pelo Dia Nacional de Combate aos Abusos


No documentário Um crime entre nós, da diretora Adriana Yañez, há quem demarque o desinteresse da sociedade frente à brutalidade do tema abuso e exploração sexual infantil. Com estreia no streaming (por próximos seis dias, com acesso livre pelo GNTPlay), o filme esclarece, para além da particularidade de traumas individuais, a dimensão coletiva da problemática: entre as meninas de até 13 anos, quatro serão violentadas (a maioria, menor de cinco anos), a cada hora, e, em 90% das ocorrências, em crimes dentro da família. Isso, no Brasil que amarga posições em rankings mundiais: é o quinto, em casos de feminicídio; o segundo na esfera da exploração sexual, e o quarto em termos de casamentos infantis.

Donas de sonhos ingênuos, como o de ir a Disney e o de ter a boneca Barbie, pequenas vítimas não contam com amparo social, dado confirmado pela isenção de 72% das testemunhas dos fatos, esquivas em denúncias. No filme, a socióloga Adriana Araújo explica consequências da coisificação das mulheres e do teor de impunidade; a influencer Jout Jout trata da calamidade no campo de busca (virtual) do termo “novinha” e há o aprofundamento no ciclo vicioso entre baixa autoestima infantil, falsos empoderamentos e sensação de aceitação advindos com a venda de corpos infantis.



Relato de pesadelos reais — como o pinçado do livro Meninas da esquina (de Eliane Trindade), no qual uma menina explica os contatos com as ruas (descambados em prostituição), ao vender rosas, madrugada adentro — ilustram o filme. No reino da internet, a fita expõe alarmantes dados: há 10 anos, quase 35% do conteúdo era decorrente de vetor pornográfico e (anônimos) diante do farto material disponível, os criminosos seguem afundados num comércio escabroso, que movimenta US$ 3 mil por segundo.

Duas perguntas / Adriana Yañez


Gênero e sexualidade causam polêmicas quando se fala em educação infantil. No âmbito do tema do filme, como a educação atua contra criminosos?

A educação é uma chave fundamental para o combate à violência sexual infantil. Citarei dois aspectos principais. O primeiro é dar ferramentas de autoproteção para a criança, para que ela conheça seu próprio corpo, os limites que deve colocar para as outras pessoas, o que não deve aceitar e como pedir ajuda caso identifique algo errado. A falta de informação e a falta de atenção no comportamento das crianças faz com que muitas delas sejam violentadas durante muitos anos sem que nenhum outro adulto saiba. O segundo ponto é a transformação do pensamento machista que rege nossa cultura. Ao longo do processo do filme, ouvindo relatos de vítimas, especialistas e pessoas comuns, ficou evidente o quanto a violência é naturalizada. É preciso falar sobre as relações de gênero na escola desde muito cedo. São conteúdos tão importantes quanto português, matemática e geografia.

Qual foi o momento mais difícil na realização do filme?

Acho que o aprendizado principal é a dimensão do problema. A cada hora, quatro meninas são estupradas no Brasil. O número de mulheres vítimas é alarmante e menos da metade denuncia. Deixei muito material de fora. Decidimos não entrevistar para o filme nenhuma menina vítima para não correr o risco de fragilizá-la. Criei outros dispositivos pra contar as histórias reais porque acredito que sejam a melhor maneira de nos aproximarmos da dor — e essa aproximação pode despertar mudança. Por fim, eu diria que certamente nunca tinha visto tanta maldade. O ser humano tem a capacidade de ser ruim num tanto que eu não conhecia. Mas também é capaz de uma bondade inimaginável — o que encontrei nas pessoas que trabalham na rede de combate à exploração em vários lugares do país.