Diversão e Arte

Cantor Fernando Lopes relembra os 'bons tempos' de cantoria na Cidade Livre

Fernando Lopes é um dos poucos remanescentes da primeira geração da música do DF


Reconhecida nacionalmente como um celeiro de instrumentistas, cantores e bandas, Brasília viu, ao longo dos anos, surgir uma diversificada e movimentada cena musical, que absorve os mais diferentes estilos, responsáveis pela formação de expressiva plateia.

Esse processo de construção artística, com a linguagem brasiliense, vem ocorrendo ao longo do tempo, desde a fundação da cidade. A cada década, a partir dos anos 1960, houve quem desse importante contribuição neste sentido, e os resultados podem ser observados agora.

Nos primórdios da nova capital, a música era ouvida aqui, no piano-bar do Brasília Pálace Hotel, no auditório da Rádio Nacional e em boates da Cidade Livre — atual Núcleo Bandeirante — e Plano Piloto. Daquela geração de artistas são raríssimos os remanescentes.

Um deles é o cantor Fernando Lopes, primeiro contratado da Rádio Nacional em Brasília, que se tornou conhecido como intérprete de boleros. Ele era o astro dos shows de auditório da Nacional e das casas noturnas da Cidade Livre. E tinha até fã-clube formado por pioneiros amantes da música.

Embora tenha deixado de cantar profissionalmente há bastante tempo, aos 88 anos, Fernando ainda solta o vozeirão em reuniões na casa de amigos, como fazia nos saraus que ocorriam no Catetinho, promovidos pelo presidente Juscelino Kubitschek. Em entrevista ao Correio, ele faz um relato sobre sua contribuição à música de Brasília.

Nos primórdios de Brasília, onde os pioneiros ouviam música?
Havia o piano-bar do Brasília Palace Hotel, onde se apresentava a Glória Maria, primeira cantora contratada pela Rádio Nacional. Ela havia vencido um concurso de calouros no Rio de Janeiro e por indicação do maestro José Eugênio Malta passou a fazer parte do cast da Nacional e tomava parte de vários programas da emissora e da TV Brasília, inaugurada logo depois. O maestro e pianista a acompanhava também no Brasília Palace. Glória, de quem me tornei compadre, teve longa carreira no circuito das casas noturnas da cidade.

Quais outros locais ofereciam música ao vivo na época?
Na Cidade Livre funcionavam mais de 20 boates, entre as quais, Tabariz, Night and Day, Barra Mansa, Olga's Bar e Bossa Nova, que era do Dedé Santana, que anos mais tarde integrou o grupo Os Trapalhões, e da Ana Rosa, mulher dele que se tornou atriz. Em algumas boates tinham shows de streaptease, com garotas que vinham de várias partes do país. Mas na maioria ouvia-se música ao vivo, com cantores nordestinos e de outras regiões do país.

Você as conheceu?
Claro, conheci todas e cantava em algumas delas. Cheguei a Brasília em 1959, vindo de Inhumas, (GO), onde era cantor de bolero... Vim para cá a covite do jornalista Américo Fernandes, natural de Inhumas, que era da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ele, que havia sido companheiro de serestas, veio para cá, com espírito de pioneiro e me convidou para submeter a teste na Rádio Nacional de Brasília. Passei no teste e fui contratado como o primeiro cantor da emissora, que diariamente promovia shows de auditório, comandados por Wanderlei Matos, Roberto Vasconcelos e Meira Filho, patrocinados pela Bibabô, Fofi, Solomaq, Café do Sítio e Casa Nordeste. Nos fins de semana, eu cantava nas boates da Cidade Livre.

O estilo que o tinha como intérprete era o bolero. Você cantava músicas do repertório de quem?
Cantava músicas de sucesso do repertório dos maiores nomes do gênero, como Agustin Lara, Lucho Gatica, Pedro Vargas, Miguel Aceve Mejia e também do Trio Irakitan. Os shows eram muito concorridos e o público aplaudia calorosamente, com direito a pedido de bis.

Que artistas brasileiros famosos se apresentavam aqui naquele tempo?
Me lembro de Luiz Gonzaga cantando no acampamento da Rabello, na Vila Planalto; de Cauby Peixoto, Doris Monteiro, Tom Jobim e Vinicius de Moraes, no piano bar do Brasília Palace. O Cauby se apresentou também na inauguração da boate Macumba, na 508 Sul. O slogan da boate era: Brasília não tem encruzilhada, mas tem Macumba.

Que recordações guarda dos saraus no Catetinho?
Tenho ótimas lembranças. A primeira vez que fui ao sarau que o presidente Juascelino Kubistschek promovia no Catetinho estava na companhia do maestro Isac Kolman, que era compadre de amigo de JK. Naquela noite, conheci o violonista Dilermando Reis e Sílvio Caldas. Estavam lá também Israel Pinheiro e Ernesto Silva, entre outros. Participei do sarau e cantei Granada, de Agustin Lara, que era uma das músicas preferidas do presidente. Depois disso passei a ser convidado para outros saraus. Bons tempos aqueles.