Correio Braziliense
postado em 20/05/2020 07:36
A pandemia forçou mudanças mesmo em estruturas historicamente mais tradicionais na indústria cinematográfica, tornando a internet e os serviços de streaming ferramentas essenciais para o cinema. O Oscar, uma das principais peças dessa engrenagem, alterou o modus operandi devido ao surto do novo coronavírus. A 93ª edição do prêmio decidiu que, em 2021,aceitará filmes lançados exclusivamente em plataformas de streaming ou vídeo on demand (VOD) como elegíveis para a estatueta dourada. Antes, a premiação só permitia fitas que tivessem estreia nas salas de cinemas. Nas categorias principais, havia mais uma restrição: era preciso ficar sete dias em cartaz em alguns pontos de exibição em Los Angeles.Com a regra provisória, filmes que estrearam em qualquer meio podem concorrer, desde que estejam em plataforma on-line para os votantes da Academia, pelo menos, por 60 dias após a estreia oficial.
Para Paulo Duro, coordenador do curso de cinema do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), esse foi um movimento rápido, porém esperado “As medidas adotadas por causa da pandemia vêm para concretizar aquilo que estava acontecendo”, afirma. Segundo o especialista o consumo do audiovisual não depende do cinema, e, cada vez mais, tem como principais players os serviços de streaming. “Quando pergunto aos meus alunos quando foi a última vez em que eles foram ao cinema, muitos precisam pensar muito para dar uma resposta. Porém, se pergunto quando foi a última vez que consumiram um produto audiovisual, a maioria sabe exatamente”, conta Duro.
A atriz e produtora Fernanda Thurann, que trabalhou no longa Rogéria — Senhor Astolfo Barroso Pinto, premiado no Festival de Los Angeles, considera também que as alterações do Oscar eram inevitáveis. “É uma mudança cultural impossível de frear. Principalmente agora com o coronavírus a dificultar nossos deslocamentos e interações sociais”, pontua. No entanto, ela acredita que, para profissionais da área, é uma mudança muito mais logística de distribuição dos filmes e de como o marketing deve ser pensado.
“Para o produtor, o fazer cinema continua o mesmo. Nós ainda produzimos filmes pensando na qualidade de som e imagem que uma tela de cinco metros de altura exige. Mesmo que o filme acabe em uma televisão de 32 polegadas ou até mesmo na tela de um smartphone”, explica a atriz. “A tendência é que o número de pessoas indo às salas de cinema diminua e a diferença entre um filme lançado para cinema ou para a tevê não faça mais sentido”, completa.
As novas regras do prêmio, mesmo que a princípio provisórias, têm muito potencial para serem um ponto de virada no mundo das premiações. A mudança vinha se mostrando necessária, mas precisou um momento de impossibilidade para que elas fossem viáveis. “Vamos entrar em um ciclo que envolve muito a qualidade das produções. Os streamings terão bons filmes, apresentarão outras perspectivas, haverá mais cinema em casa e as possibilidades que teremos mostrarão que é caminho sem volta”, comenta o professor Paulo Duro.
Sabe-se que muitos filmes adiaram estreias, caso de Viúva-Negra (de abril para outubro) e Mulher-Maravilha 1984 (de junho para agosto). Outros estúdios, por sua vez, optaram por lançar filmes que chegariam ao cinema direto no VOD. Emma, adaptação do livro homônimo que estrearia em março está disponível em pay-per-view no Brasil sem passar pelas telonas.
Democratização
“O cinema é algo completamente burguês: um ingresso e uma pipoca não estão ao alcance de muitas famílias do país”, diz Duro, que, apesar de entender o papel da telona para produção da Sétima Arte, também acha que aumentar o poder do streaming gera uma possibilidade de crescimento no acesso de pessoas a filmes. “A abertura de premiações e festivais pode gerar filmes de streaming com mais qualidade artística e também possibilitar a abertura do mercado do cinema artístico para outras pessoas”, acrescenta.
“É uma faca de dois gumes. Por um lado, temos a facilidade para o consumidor, mas é um desafio para os pequenos artistas e toda uma indústria de entretenimento que perdeu a principal fonte de renda”, fala Fernanda Thurann. “É dos ingressos das salas de cinema, de teatro, de shows que pagamos não só quem está em cima do palco, mas os técnicos de som, luz, seguranças, equipe de apoio, alimentação e limpeza que trabalham para criar a atmosfera contagiante e imersiva com a qual estávamos acostumados”, conta a atriz que também trabalha na produção de cinema e teatro.
Cannes só em 2021
Desde fevereiro, dúvidas afloravam: o que aconteceria com a edição 2020 do Festival de Cannes, o mais prestigiado na vitrine do cinema mundial? Inevitável, o anúncio do cancelamento do evento veio por tom melancólico de um nostálgico cinéfilo que há 35 anos resguarda Cannes: Thierry Frémaux. Até hoje, o festival só não ocorreu durante da Segunda Guerra, e foi paralisado em maio de 1968. A calamidade impõe a continuidade da missão dos organizadores junto a Frémaux. Ao lado de menos filmes para 2021, o especialista prevê que, em dois meses (caso não haja novas ondas da covid-19), a cadeia exibidora possa ser restabelecida na França. O selo de Cannes, mantido e associado a outros festivais no mundo, ressoa como esperança.
“Trabalhamos na divulgação de uma lista de filmes que deveriam integrar o evento. Estará pronta no começo de junho. Filmes com estreias entre o agora e a primavera de 2021. Não estruturaremos o festival nos conhecidos segmentos Mostra Competitiva, Um Certo Olhar e fora de competição. Seria ridículo ignorar nossa atual situação. Mas devemos promover os filmes assistidos e que amamos. Tivemos obras magníficas, e é nossa obrigação alinhar filmes e público”, definiu Thierry Frémaux, em entrevista ao Screen Daily.
A seleção de Cannes 2021, começará em setembro. Para 2020, um terço dos selecionados tem alcançando, diretamente, as plataformas digitais. Assunto nitidamente incômodo para o curador. Geralmente montada ao longo de um ano, a programação, em março e abril de 2020, não contabilizava nem 20% da seleção.
Num espírito de lealdade a Spike Lee (escolhido para presidir o júri de 2020), o nome será mantido para 2021. “Ele simboliza a cidade de Nova York, particularmente afetada pela pandemia. Fez ainda um curta sobre o momento, ao som de New York, New York, que é muito tocante”, explicou Frémaux.
*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira
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