Diversão e Arte

Paulo Pestana

A morte de Little Richard encerra definitivamente o ciclo dos desbravadores do rock

O último gigante

“A-wop-bop-a-loo-lop-a-lop-bam-boom”.

Esta é a frase mais inteligente encontrada num rock. Criada por Little Richard como um palavrão para descontar as constantes broncas que levava do dono da lanchonete em que lavava pratos, acabou se transformando na síntese daquela música que, por volta de 1955, era moldada para, literalmente, mudar o mundo: o tal do rock’n’roll.

A morte de Little Richard encerra definitivamente o ciclo dos desbravadores do rock; ao lado de Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Carl Perkins. Quem veio em seguida, mesmo Ike Turner e Bo Didley, já enxergava a picada por onde seguir. E Elvis foi quem fez o amálgama que rompeu com o passado e provocou um abismo entre pais e filhos.

O rock de Little Richard surgiu em uma frustrada sessão de gravações, quando ele não conseguia agradar o produtor Richard Blackwell, que o imaginava como um concorrente de Ray Charles, com o gospel como condutor. Num intervalo, ele começou a surrar o piano e a cantar uma música de letra indecente. Era Tutti Frutti. Com muitas palavras diferentes, foi um sucesso imediato e ainda hoje mexe esqueletos pelo planeta.

Little Richard não tinha apenas a música a seu lado. Com visual provocante, modos afetados e muita maquiagem, ele serviu de inspiração para o glam rock de David Bowie; com a postura agressiva, tocando piano em pé, colocando o pé sobre o móvel, começou a destruição levada a cabo por The Who; com o grito primal “whoooo”, ensinou Paul McCartney a cantar. Além disso, é difícil imaginar Mick Jagger se não houvesse Little Richard.

Foi o primeiro artista negro a vender discos para o público branco; num tempo de segregação absoluta, a plateia de seus shows era dividida para comportar jovens de todas as cores. Little Richard chegou a ser vetado em várias cidades norte-americanas porque seus shows provocavam uma histeria que a sociedade da época não havia visto.

Era odiado pelos pais, perseguido pelas autoridades locais e explorado pela gravadora. Torturado pelas próprias dúvidas, deixou o rock com apenas três anos de carreira para trabalhar como pastor; cinco anos depois estava de volta, mantendo a mesma postura rebelde, influenciando meio mundo, mas preso ao passado; preferiu viver de revivals do que tentar ir adiante.

Little Richard deixa uma série de canções que vão estar entre nós por muito tempo, todas gravadas entre 1955 e 1958. Daí para a frente não fez gravações além do razoável, talvez com a exceção de Lifetime friends, que foi também seu último disco de estúdio, lançado em 1986. Foram três anos que marcaram não apenas a música, mas toda a sociedade, já que ele sempre denunciou todo tipo de preconceito.

E ele conseguiu tudo isso com aquela frase inteligente lá de cima.