Diversão e Arte

Polêmica com Gabriela Pugliesi levanta debate sobre papel do influenciador

Caso com a musa fitness dimensionou a importância social e econômica dos digitais influencers

Assunto do último fim de semana, Gabriela Pugliesi foi motivo de comentários negativos ao dar uma festa com amigos sem se importar com as regras de distanciamento social determinada pela situação de pandemia que o mundo se encontra devido ao novo coronavírus. A digital influencer voltada para vida fitness tem mais de 4,4 milhões de seguidores no Instagram, rede social que usou tanto para documentar a festa, quanto para fazer um pedido de desculpas públicas pelo acontecido, após as críticas recebidas na web. Na tarde de ontem, ela desativou o perfil na rede social.

“Os influenciadores têm um papel importantíssimo nesse momento de dar bom exemplo, divulgar e, não só isso, mas viver isso. Hoje tem muito influenciador que se preocupa em gerar o conteúdo que não é um conteúdo da realidade de vida dele. Isso vai dar problema a longo prazo, porque a pessoa vai se comprometer. Ela vai falar, gravar e lá na frente, se aquilo não for verdadeiro, vai ficar exposto em algum momento. Então, acho que vale muito o influenciador pregar o que vive. Porque, infelizmente, no mercado digital o nome pode acabar do dia para a noite”, avalia João Mendes, especialista em mercado digital.

Foi mais ou menos isso que aconteceu com Pugliesi. A musa fitness foi uma das primeiras celebridades a ser diagnosticada com Covid-19. Ela compartilhou a situação nas redes sociais e, na época, até agradeceu ao vírus por quebrar as barreiras da desigualdade social, entre outras coisas, quando também foi criticada acusada de romantizar a doença. Agora, novamente virou centro de uma polêmica ao furar a quarentena. O caso levantou, então, a questão do papel destas figuras tão novas que são os influenciadores digitais.
 

Saiba Mais

A ação de Gabriela Pugliesi de promover uma aglomeração meio a pandemia gera, segundo André Imbroisi, acadêmico e especialista na área de mídia sociais e professor do departamento de publicidade e propaganda do IESB, uma quebra de confiança entre ela e os seguidores. “Para o momento em que estamos vivendo uma digital influencer de saúde deveria estar se posicionando em resguardo para dar o exemplo a quem a acompanha”, pontua. “A ação dela não vai gerar uma perda de popularidade, mas sim uma cobrança sob a figura de Pugliesi, um engajamento negativo”.

A digital influencer está diretamente ligada às ações que revertem na posição de responsabilidade social de marcas também — as quais muitas decidiram por suspender o contrato com a celebridade. Para Edney Souza, especialista em mídias sociais da FGV e membro do corpo diretor da Associação Brasileira de Propaganda (ABP), mesmo trazendo a má influência, Pugliesi continuará vendendo, mas é uma mancha na responsabilidade social das marcas que ela representa. Para o especialista a influenciadora é “uma das pessoas mais irresponsáveis que a internet deu voz” e que a atitude é de “absurda falta de empatia”.

Comportamento


O papel de um influenciador digital é bastante recente. Crescendo junto com a ascensão das redes sociais, os influencers ganharam espaço nas redes sociais até que tomaram um caráter profissional por conta do Instagram. “O digital influencer tem um papel não só de fazer a propaganda dos produtos, mas também de ensinar como usá-los”, explica o acadêmico André Imbroisi. “A pessoa se torna um braço da marca, ela apresenta o produto, usa-o e o indica” completa o professor universitário. 

“As redes sociais foram responsáveis por um movimento de democratização do acesso, produção e publicação de conteúdo”, afirma Edney Souza, especialista em mídias sociais da FGV. Assim o papel do influenciador digital passa ser importante dentro deste contexto de um “mundo de grandes audiências”. “Esta proposta já é antiga, desde antes da internet, a intenção é achar indivíduos chaves para propagar informação para determinados públicos”, diz o especialista. “O papel já foi de Xuxa e Pelé antes da internet, PC Siqueira e Felipe Neto na era do YouTube e hoje tem Gabriela Pugliesi como um dos grandes vetores no Instagram”, adiciona.

“É muito mais fácil pessoas entenderem pessoas, do que entenderem objetos, marcas ou ideias”, complementa Imbroisi. Assim, segundo o estudioso, dar um rosto para o produto gera uma conversa maior com o consumidor. “Há uma fala, réplica e até tréplica na rede social, o que auxilia nas estratégias de empresas no que diz respeito a como posicionar os produtos no mercado”, afirma.

No entanto, a popularidade destas pessoas está muito mais regulada pelo estilo de vida que elas levam. As vidas destes influenciadores está aberta mesmo que de forma maquiada nas redes sociais. “A aplicação da palavra influência sempre foi ligada a uma imagem negativa, de má influência.”, destrincha Edney. Portanto, é uma via de mão dupla em que estas pessoas podem influenciar de forma positiva ou negativa com este lifestyle.


Marcas


As empresas entram na história como as principais utilizadoras da fama destes digitais influencers. A popularidade nas redes sociais gera engajamento de pessoas com as postagens. Sendo assim, os influenciadores são um prato cheio para as marcas conversarem diretamente com um público específico e passam a ser um pouco o rosto delas para as quais constantemente fazem publicidade.

“O influenciador é uma personificação das marcas” afirma André Imbroisi. “As ações dos influencers representam as ações da empresa que o contratou”, completa. Portanto segundo o acadêmico o papel que estes famosos exercem é uma evolução do garoto-propaganda da tevê nos anos 1990, pois há mais diálogo com o consumidor e maior ligação da figura pública com o produto que está ajudando a vender.

“Todas as marcas, por mais que tenham produtos mais nichados, são expostas perante a todos. A pessoa realmente precisa ter boa conduta, estilo Celso Portiolli, Rodrigo Faro e Faustão, pessoas que representaram as marcas, mas mantiveram o próprio nome. Eles não vão vender mais por grandes números. É isso que as marcas procuram e serão cada vez mais exigentes”, avalia João Mendes, especialista em mercado digital.

No entanto, há um lado que pode ser negativo nesta relação simbiótica entre marca e influencer. “A marca, ao contrário da mãe, não está preocupada com a má influencia”, conta Edney Souza. Segundo o diretor da ABP, não há uma legislação concreta que responsabilize os influenciadores por propagar produtos, práticas ou ideias prejudiciais ao público com que fala. Não existe um órgão de classe nem a possibilidade de entender estas pessoas dentro das classificações do Conar. “As marcas pressupõem que visibilidade é atenção, o que não é verdade. O engajamento nem sempre é positivo”, diz Edney.

Eles também foram cobrados!


Ex-BBBs
• Confinados durante a pandemia, alguns ex-participantes do Big Brother Brasil 20 causaram polêmica ao descumprir a quarentena na vida pós-reality. Foi o caso de Guilherme, Flay e Bianca Andrade que se encontraram assim que a nordestina deixou a casa do BBB. Flayslane se defendeu: “sai pelo elevador, entrei no carro e já saí na casa de Bianca”.

Aglomeração em lives
• Tendência no mundo da música, as lives também geraram polêmicas. O caso mais recente envolve a live do cantor Wallas Arrais que foi postada no stories do Instagram de várias pessoas mostrando um público que, inclusive, compartilhava um cigarro eletrônico. O caso está sendo investigado pela Secretaria de Segurança Pública do Ceará.
 
 

Rotina normal
• Assim como Pugliesi, Flávia Pavanelli, que também contraiu o coronavírus, foi acusada de ter atitudes contrárias ao isolamento social. A atriz e influencer deu a entender que pegou a Covid-19 por conta do uso do serviço de delivery, no entanto, muitos vizinhos e amigos disseram, nas redes sociais, que ela continua recebendo pessoas em casa e mantendo a rotina de trabalho com fotos e posts patrocinados, com aglomeração em casa.
 
 

Passeio na praia
• Muitos artistas e celebridades têm sido cobrados nas redes quando são flagrados na praia. Foi o caso do ator Paulinho Vilhena, que foi visto com a namorada e uma amiga em uma praia carioca. O artista se justificou dizendo que mora em frente ao mar e, após dias em quarentena em São Paulo, aproveitou apenas para dar um mergulho. A visita à praia está proibida no Rio de Janeiro por decreto estadual.
 
* Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira 
 

PALAVRA DE ESPECIALISTA


O que estamos cancelando afinal?

Sarah Gomes*

Aqui estamos, o ano é 2020. Pandemia mundial, TikTok, estoque de papel higiênico e cancelamento de pessoas. Este seria um breve resumo do nosso ano que mal começou e já mostrou a que veio.

A manhã de domingo foi agitada para a influenciadora e empresária Gabriela Pugliesi. Na noite de 25 de abril, ela resolveu dar uma festa em sua casa, ao estilo petit comité, mas esquece que seu Instagram é um comité dos grandes. Reuniu alguns amigos para comemorar a saída de sua best do BBB e expôs a balbúrdia em seus stories ao estilo Maria Antonieta: “F***-se a vida”. A notícia logo se espalhou e na manhã do dia 26/4 o fogo digital da inquisição já queimava para os participantes deste evento.

O ocorrido demonstra grande falta de responsabilidade em meio a uma recomendação explícita de isolamento social. O fato de a influenciadora ter sido uma das primeiras pessoas do país diagnosticada com a Covid-19 também não ajudou. Ela capitalizou as suas semanas de resguardo devido a doença, mas agora dançava ao som dos milhares que esperam atendimento hospitalar. Gabriela Pugliesi foi cancelada.

E o que isto significa? Milhares de comentários de desprezo em seu perfil social, cobrança destinada as marcas que a apoiam para que cancelem seus contratos com ela, unfollows, mensagens de ódio a todo o seu círculo de amigos e familiares. Cancelar uma pessoa significa promover um boicote digital ao seu conteúdo e não só isso, cercá-la de mensagens de ódio e reprovação. Exagerado, não?

A cultura do cancelamento surge juntamente ao fenômeno da influência digital. Influencer é um título que não pode ser comprado, conquistado com diploma ou autoproclamado. Um número mínimo de pessoas legitima um influencer. É uma coroa que é concedida. As pessoas escolhem e criam os ídolos e passaram a se esquecer disso. A vida “mara” de Pugliesi é legitimada por milhões de pessoas. Ela sempre se comprometeu a entregar a perfeição da sua própria bolha da elite paulistana, repleta de meditação, aulas de spinning, viagens internacionais e shot de cúrcuma. E por que agora as pessoas estão visceralmente decepcionadas com ela como se suas vidas dependessem das decisões dela?

Como figura pública ela vacilou sim, ao influenciar um comportamento perigoso. Suas escolhas devem ser reprovadas e os incomodados que se retirem. Que sua audiência declare a sua insatisfação retirando a coroa digital de sua cabeça, mas a guilhotina pareceu ser a escolha por unanimidade.

A minha breve análise, identifica aí um comportamento latente de busca de justiça de classe. A pandemia expôs digitalmente as diferenças sociais de tal forma que festas na côrte já não são mais toleradas enquanto milhares morrem sem ar e sem comida. A vida perfeita que fez surgir tantos ídolos da era moderna agora parece motivo de vergonha e desprezo. As pessoas estão confusas e isso é bom! Chegou o momento de questionar as diferenças discrepantes de privilégio, mas levar esta reflexão para outras esferas, a política por exemplo.

Quer mais influenciador do que as figuras que elegemos por meio de voto? Eles sim são os que mais influenciam nossa vida. Por que não destinar o ódio emanado a “pobre” Pugliesi às pessoas que decidem o rumo de nossa sociedade todos os dias?

A cultura do cancelamento mostra que ainda temos capacidade de nos mobilizar em prol de justiça. Vamos só combinar uma coisa: cancelar as pessoas certas.

Sarah Gomes é diretora-criativa e diretora de comunicação do Grupo R2. 

Reprodução/Instagram - Flávia Pavanelli
YuriAna/ Divulgação - Paulo Vilhena