Diversão e Arte

Angolano Nuno Mindelis lança disco de blues com pegada africana

'Angola Blues' representa a ancestralidade por meio da música

Guitarrista, compositor e cantor angolano, o bluseiro Nuno Mindelis, radicado no Brasil há 44 anos, está de volta ao mercado com outro álbum, o 10º título da discografia, gravado ao vivo entre abril e agosto de 2019. Se o título, Angola Blues, pode ser óbvio, o mesmo não ocorre com o conteúdo desse trabalho elaboradíssimo.

O músico nascido em Coleinda — viveu parte da infância e da adolescência em Luanda — se deixou impregnar naquele período pela música angolana que tocava no rádio. Ele buscou tocá-la num violãozinho de lata de azeite e linha de pescar, usada como cordas. Fiel às origens, guardou na memória aquela sonoridade.

Algumas daquelas canções foram transpostas para o novo CD. “A música africana é a ancestralidade do blues e de todos os derivados do ritmo. Historiadores afirmaram que o gênero nasceu naquele continente, assim como o samba, que descende do semba, também angolano.”

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Mindelis afirma que Angola Blues é um divisor de águas em sua obra. “É uma imersão tão vasta quanto rara na minha própria vida”, diz. O repertório reúne músicas que fazem parte de sua memória afetiva, entre elas País Tropical, de Jorge Ben Jor. Há também composições autorais.

Para realizar esse projeto, ele contou com músicos que têm trabalhado com ele, além de dois artistas brasileiros radicados há muitos anos nos Estados Unidos: o percussionista Airto Moreira e a cantora Flora Purim, quem conheceu e se tornou amigo, ao participar de festivais de jazz no exterior.


Angola Blues
CD do guitarrista, cantor e compositor Nuno Mandelis. Independente.

Entrevista// Nuno Mindelis



Este novo álbum foi gravado quando e o que propõe com ele?


As bases brutas de Angola Blues foram gravadas ao vivo por mim e banda no estúdio no dia 14/4/2019 (eu guitarra, Marcos Klis baixo, Dhieego Andrade bateria, Allex Bessa teclados) e as participações e músicos convidados (piano, percussão, backing vocals femininos, convidados especiais) bem como outros ajustes de produção, foram finalizados em outubro de 2019. Em relação à proposta: sempre que faço um disco novo, só o faço com a certeza de que tenho algo realmente importante a dizer. Se reparar fiz poucos e por isso mesmo. Não é todo o dia que temos algo importante a dizer. Por alguma razão sempre tenho a esperança que seja avaliado, tocado, debatido e que sirva de referência para muita gente. Sob um ponto de vista mais prático, penso em algo que possa sintonizar e agradar pessoas ainda interessadas em ouvir música como quem lê um livro e o guarda com carinho, para usá-lo quando tem vontade, para consulta, para o que for e para sempre. E uma coisa que tive sempre presente foi a de, de alguma forma, resgatar o dialeto Kimbundu, dar a minha ínfima parcela de contribuição para tentar preservá-lo, lembrá-lo às gerações mais novas de angolanos, sobretudo porque está desaparecendo como estão desaparecendo os quase 50 dialetos de Angola.


Qual foi o critério para a escolha das músicas do repertório?


A maioria eram músicas que eu ouvia diariamente nas rádios em Angola. Fazem parte das minhas memórias, naquela idade altamente vulnerável às influências que te marcam para o resto da vida. Daí a gravá-las foi uma questão de tempo. Cabinda fui eu que compus e Tuala Ni Ji Henda é de um artista e amigo (Luiz Ngambi) que conheço há muitos anos e com quem toquei por um tempo.


O que acredita ser mais marcante nesse trabalho, sua guitarra bluesi ou a voz com a qual interpreta as canções?


O que acho mais marcante nesse trabalho é na verdade a concepção, a experimentação, o mergulho em algo que conecta os dois mundos e que se reveste de maior legitimidade e legado. Eu costumo dizer, brincando, que este é o meu Sargent Pepper’s. Mas entre a guitarra e a voz, eu diria que é a guitarra a minha maior especialização. Já ganhei prêmios com ela e não com a voz.


Como avalia a participação de Airto Moreira e Flora Purim?


O aspecto da colaboração é realmente palpável, muito além da simples participação. Airto e Flora moldaram o trabalho para sempre, trabalhar com eles é um antes e depois. As verdadeiras colaborações fazem você sair de um processo se sentindo diferente. E aprender. Era esperado, eles são pesos pesadíssimos, mas às vezes não nos lembramos disso. Então eles chegam e te relembram (e presenteiam!) com um chacoalhão que transcende a simples colaboração. Você é obrigado a seguir os arranjos que eles imprimiram à sua música, os caminhos que eles apontaram. Airto e Flora criam a coisa deles em cima da sua e dali por diante ela só existe daquela forma.


Conhece esses dois artistas brasileiros, radicados nos Estados Unidos desde quando?


Conheci pessoalmente em 2019, quando fazíamos apresentações num mesmo Festival. Como artistas conheço-os desde o comecinho dos anos 1970 (tipo 71 ou 72) quando apareceram planetariamente ao lado de lendas como Miles Davis, Chick Corea, Santana, Mahavishnu Orchestra, todo o rock inglês e americano etc. Eles estavam no meio dos meus quase 2000 LPs e singles, no mesmo pacote dos meus maiores heróis musicais de todos os tempos.


Os músicos que o acompanham tocam com você em apresentações ou são também convidados?


A banda base digamos, toca sempre comigo nas apresentações. (Klis, Dhieego, Allex, Ilker na percussão). Marcio Lomiranda, Jessica Areias, Bidu Sous, Ed Staudinger, queridos amigos e muito talentosos artistas, entraram como músicos convidados no álbum. Lomiranda creio que entrou em quase todos que fiz até hoje desde 1989, só não gravou nos que gravei fora.


Continua trabalhando em casa, nesse período de quarentena?


Continuo, tinha shows de lançamento marcados que foram cancelados, (incluindo uma turnê no Canadá começando no Montreal International Jazz Festival) mas continuo divulgando o álbum nas redes e mídias possíveis, tanto digitais como tradicionais, fazendo lives etc. Vou fazer uma live inteiramente dedicada ao álbum Angola Blues no dia 10/04, data do lançamento oficial nas plataformas, quem quiser assistir é só acessar meu Instagram (instagram.com/nmindelis) minha Fanpage (facebook.com/nunomindelis) e meu canal no YouTube (Blues e Derivados) .

Com quem já trabalhou ou dividiu projeto aqui?


De nacionais fui convidado para participações em vários trabalhos (colaborei em álbum de Belchior por exemplo). Zélia Duncan e Rappin Hood gravaram no meu álbum Outros Nunos de 2005. De internacionais participei de festivais aqui (e fora) anunciado com alguns desses meus heróis de infância e adolescência, Buddy Guy, Otis Clay, Dr John, Taj Mahal, John Mayall, outros mais novos como Chris Cornell, Ronnie Earl, John Mayall, Robben Ford etc.


Gravar País Tropical, de Jorge Benjor, foi uma forma de homenagear o Brasil?


Sim. Sempre farei isso enquanto puder. Já tinha gravado Benjor em álbum anterior. (duas músicas, Chove Chuva e Mas Que Nada). Já tinha gravado Caetano e Chico em Blues & Derivados, meu primeiro LP. O Brasil faz parte do mesmo pacote de heróis americanos e ingleses do blues e do rock que eu mencionei acima. Na estante com os quase 2 mil LPs, Vinicius, Baden Powell etc. E um monte de singles de Roberto e Erasmo Carlos. Desde cedo ouvia absolutamente tudo.