Quando gravou a nova temporada do programa Chegadas e Partidas, entre julho e dezembro do ano passado, a apresentadora Astrid Fontenelle e a equipe do programa exibido pelo canal GNT não imaginavam que, quando a edição chegasse ao ar, na semana passada, o ambiente onde o reality é gravado - o Aeroporto de Guarulhos - estaria tão diferente em função da pandemia do novo coronavÃrus, com diminuição de voos, lojas e restaurantes fechados e sem aquela movimentação tÃpica de um aeroporto internacional, um dos mais importantes da América Latina.
"Deu uma dor no peito. Nós amamos aquele lugar, é nosso local de trabalho", diz Astrid, sobre a reação que ela e a equipe do programa tiveram ao ver uma imagem do aeroporto vazio. Em sua décima temporada, Chegadas e Partidas flagrou, ao longo dos anos, diferentes fases que o PaÃs passou, como a saÃda dos estudantes para estudar fora, sobretudo em função do programa Ciência Sem Fronteiras, a chegada da classe C aos voos internacionais, por exemplo.
Agora, o futuro é incerto. Com o elemento humano e a emoção como protagonistas, Astrid - que se envolve com as histórias retratadas pelos viajantes - não sabe como será daqui para frente - e até mesmo não vê muito sentido o programa seguir em uma realidade de afastamento social (uma nova temporada estava prevista para ser gravada a partir de agosto). "Vou poder chegar perto das pessoas, dar um abraço? Como será esse novo mundo?", questiona. Em conversa com o Estado, Astrid antecipou histórias da nova temporada e contou como é sua rotina no isolamento social.
O que você destaca nessa nova temporada?
É uma temporada muito forte, de dor, de choro. Ela flagra a volta daqueles que foram embora do PaÃs em busca de uma vida melhor e voltaram desapontados. Tem, por exemplo, a história de uma mulher que foi para os Estados Unidos com marido e filhos e uma reserva de dinheiro. Foi com a esperança de se dar bem por lá, mas não conseguia arrumar trabalho. Quando recebeu uma ligação de uma agência de empregos, pensou que fosse ser governanta de uma casa. Mas era para ser faxineira e, em sua primeira tarefa, teve que limpar um banheiro. Teve uma crise de choro, entrou em depressão. Tem a história de um jovem que foi deportado do HavaÃ. Estava por lá há alguns anos, tinha uma empresa de reparos domiciliares, e estava em processo de obter o green card. Mas foi preso e, depois de três meses, deportado. Desembarcou aqui com a roupa de presidiário, muito envergonhado, com US$ 70 no bolso. Fiquei tão tocada com a situação dele, que dei dinheiro para ele comprar roupa e calçado. Tudo isso parecia um prenúncio do que estamos vivendo hoje. Em fevereiro, eu tive que ir ao aeroporto gravar as chamadas. Já estava apavorada, queria sair de lá rapidamente. Uma sensação estranha.
O que você sente ao ver, agora, aeroportos vazios, com rotas canceladas?
Outro dia, no grupo da produção do programa, alguém mandou uma imagem de um dos terminais do aeroporto de Guarulhos fechado. Deu uma dor no peito. Nós amamos aquele lugar, é nosso local de trabalho. Além disso, eu fico triste porque são histórias que estão paradas. Viajar é um desejo: de lua de mel, de estudar fora, de começar uma vida em outro lugar.
Vocês estavam planejando uma nova temporada (as gravações estavam previstas para agosto). Será possÃvel fazê-la?
O segredo do Chegadas e Partidas é o olho no olho, um exercÃcio de empatia e compaixão. O programa nasceu de uma carência de que ninguém prestava a atenção nas histórias que passavam pelo aeroporto. Como apresentadora, aprendi a ouvir mais, a dar um abraço. Virei um pouco terapeuta de muitas pessoas. Será que depois dessa pandemia eu poderei chegar perto delas, dar um abraço? Penso que essa será a última temporada do programa.
Você tinha alguma viagem planejada até o fim do ano?
Eu faço grandes viagens para o exterior no começo e no meio do ano. Tinha acabado de voltar do Egito. A imagem da pobreza daquele paÃs ainda está na minha cabeça. Meu filho (Gabriel, de 11 anos) me pergunta como as pessoas que vivem lá vão se proteger do coronavÃrus. Não vou planejar nada, por enquanto. Não sinto segurança para isso, me tranquei em casa.
Há quanto tempo está em casa?
Desde o dia 12 de março. Levei meu marido no aeroporto de Congonhas, algo que nunca faço, e fiquei muito emocionada, sabia que a gente ia ficar um tempo sem se ver (Fausto Franco é secretário de turismo da Bahia). A gente se via de 15 em 15 dias, em Salvador ou São Paulo, mas estou sem vê-lo. Saà uma vez para ir ao estúdio fazer o Saia Justa (programa que apresenta no GNT) e outra duas vezes, de carro, para entregar pão artesanal para amigos. O pão, na verdade, era uma desculpa, o que eu precisava mesmo era sentir um vento no rosto, mesmo que dentro do carro. Quando tudo isso acabar, quero tomar um banho de mar na Bahia.
Como está lidando com a quarentena?
Tenho altos e baixos. Esta semana tive a notÃcia de que o professor do meu filho está com o corona. Teve também a morte do Moraes Moreira. Fiquei para baixo. Mas tenho que seguir. Para quem pode manter o trabalho em home office, como no meu caso, tem muita solicitação, aliás, até mais do que antes. Sou convidada para lives, para gravar vÃdeos para angariar fundos para alguma instituição ou grupo. A demanda é grande, tive que fazer uma escala de quando gravar vÃdeos - estabeleci que faço apenas um por dia.
Tem conseguido assistir a lives, fazer algum curso?
Nada. Aliás, como as pessoas se organizam para isso? Eu começo meu dia às 7h e só vou parar às 21h - exausta. Sou sozinha aqui em casa, com um filho, uma cachorra. Não dá. Já aconteceu de eu entrar sem querer em uma live de um amigo e, quando percebo, o dono dela já me viu lá, aà fica chato sair.
Você recentemente lançou um canal no YouTube (Canal da Astrid). Vai mantê-lo?
Sim, um dos conteúdos é o "Mulheres Admiráveis", no qual conto história de personalidades como Leila Diniz e Dandara. Tenho 23 episódios gravados. O outro é uma live semanal que tinha como proposta ser um resumão da semana, com notÃcias e programação, que acabou virando um papo sobre coronavÃrus.21