Não está sendo fácil para quem, em Brasília, tem a música como matéria prima para sua atividade. Se as dificuldades já eram vivenciadas, em decorrência da crise econômica e dos rigores da Lei do Silêncio, elas se acentuaram de forma superlativa com o surgimento e a disseminação do coronavírus.
Os cantores, os músicos, os grupos e as bandas da capital tiveram que interromper seus projetos, pararam de fazer apresentações públicas e, consequentemente deixaram de — em alguns casos — se manterem financeiramente com o fruto do seu trabalho.
Clube do Choro, Espaço Cultural Renato Russo e Teatro Mapati são algumas das instituições artísticas brasiliense que sentiram de forma pesada a ação da pandemia. Reflexo disso foi o fechamento das portas e a consequente impossibilidade de levar adiante a programação que vinha sendo desenvolvida.
“Está dificílimo manter o Clube do Choro em funcionamento. Estávamos tocando o projeto 60 Anos de Choro, em comemoração ao aniversário de Brasília, sem nenhum patrocínio, embora mantivéssemos o palco ocupado”, queixa-se Henrique Santos Filho, o Reco do Bandolim, presidente da entidade.
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Segundo ele, agora, com “o necessário distanciamento social” e a interrupção do projeto, as dificuldades são ainda maiores para manter o clube aberto, “o que traz sérios prejuízos também para os músicos da cidade, que têm nos shows sua maior fonte de renda”.
Caso venha conseguir apoio, quando a situação se regularizar, com o fim do pandemia, o Clube do Choro poderá trazer para shows de consagrados instrumentistas, como os violonistas Yamandu Costa e Marco Pereira, o bandolinista Hamilton de Holanda, o saxofonista Carlos Malta, além do Trio Madeira Brasil.
On-line
Em compensação, Reco mostra-se contente com a solução encontrada para o funcionamento da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello. “Fernando César, coordenador da escola, e Henrique Neto (um dos autores do método de ensino da instituição), com a contribuição dos professores, colocaram em funcionamento um curso on-line, com adesão quase que total dos alunos, que mantiveram o pagamento das mensalidades”, destaca.
Leonardo Hernandes, coordenador geral de gestão e programação do Espaço Renato Russo conta que a pandemia interrompeu as negociações com a Secretaria de Cultura, para o Instituto Bem Cultural continuar administrado a instituição instalada na 508 Sul.
Em relação ao que estava previsto, ele deixa claro que houve a interrupção de muita coisa, citando, por exemplo, a celebração do aniversário de Renato Russo, no dia 27 último. Estava programado show do Kadu Lambach (primeiro guitarrista da Legião Urbana) e a exibição do filme Somos tão jovens.
“Íamos montar também uma exposição de fotógrafos brasileiros e franceses, para comemorar os 60 anos de Brasília, com imagens da cidade criadas por eles. Possivelmente, isso venha a ocorrer ainda, mesmo depois da data do aniversário”, revela. “Quanto ao festival Filma aê!, com filmes feitos com celular, que estava em cartaz, com muito sucesso, será retomado assim que tudo voltar ao normal. Pretendemos retomar as atividades com programação intensa”, adianta.
Oficinas
Um total de 12 oficinas e um musical de sucesso são o que o Teatro Mapati vinha realizando antes da manifestação da Covid-19. “Paramos com tudo e estamos sem nenhum tipo de receita”, afirma, desolada, a gestora Dayse Hansa.
“Nos mobilizamos com outros espaços culturais e enviamos uma carta para a Secretaria de Cultura e para alguns deputados distritais colocando-os a par da nossa situação”, adiciona.
Hansa, porém, não se deixa abater e anuncia: “Assim que esse período soturno passar, voltaremos com nossas oficinas de teatro, dança e arte circense, que contam com a participação de quase 1.200 alunos. E reiniciaremos a apresentação do espetáculo sobre a obra de Vinicius de Moraes, em cartaz há cinco anos, sempre com o Mapati lotado”.
Diante da impossibilidade temporária de manter a Cervejaria Criolina como um espaço para shows, os proprietários criaram uma alternativa que visa minimizar o prejuízo: adotar o sistema de delivery para a venda do principal produto da casa.
“Às sextas-feiras, estamos entregando cervejas que produzimos a frequentadores que mantêm fidelidade com a Criolina. São 30 os cadastrados, mas a adesão começa a aumentar. Quem está participando passará a fazer parte da lista amiga, com direito a 50% de desconto no ingresso de shows, quando voltarmos com nossa programação”, explica Rodrigo Barata, um dos sócios do empreendimento.
Misto de DJ, produtor e diretor da Criolina, Barata disse que, antes da pandemia, estavam acertadas as apresentações do cantor e guitarrista paraense Felipe Cordeiro, do grupo baiano Maglore e da banda Sabor de Cuba, que faria um tributo ao Buena Vista Social Club. Há a possibilidade de esses shows serem remarcados. O sistema delivery vem sendo utilizado também pelo Feitiço Mineiro, pelo menos aos sábados, entre 11h30 e às 16h30, visando basicamente a manutenção dos funcionários do bar e restaurante da 306 Norte.
Palco tradicional a música na capital, o Feitiço, em tempo do coronavírus, obviamente deixou de receber artistas. “Tivemos que cancelar shows programados, como o de Tavinho Moura, na comemoração do saudoso Jorge Ferreira, no último dia 4; e o de Paulinho Pedra Azul, que viria lançar o quarto volume do projeto Quatro Estações, marcado para 1º de maio”, relata Jerson Alvim, diretor artístico do lugar. Ele está pensado na programação comemorativa dos 31 anos do Feitiço, em outubro.
Em contato com o Correio, a direção do Outro Calaf informou: “Por entender que a vida das pessoas vale mais do que a economia, o Outro Calaf está completamente fechado, inclusive em suas atividades com o restaurante. Toda a equipe está cumprindo as recomendações da OMS e se mantém em quarentena, em casa, com o salário garantido. De acordo com o comunicado, assim que a pandemia cessar e o isolamento não for mais necessário, a programação será retomada, “com muito samba, muita festa e muita celebração da vida”.