Como foi a sua infância na cidade?
Nasci em Brasília, em 1969, no Hospital da L2 e morei na 410 Norte até os 3 anos, quando fomos para a 713 Sul. Depois, na 114 Sul. Tenho lembranças incríveis dessa primeira infância privilegiada em Brasília. De ficarmos completamente livres. Podíamos andar pelas quadras sendo proibido pela mãe de atravessar o Eixão. Éramos quatro irmãos. Digo “éramos” porque depois apareceu um irmão mais velho filho do meu pai. Hoje somos cinco. Fiz a Colônia de Férias de Brasília todas as vezes que consegui. Adolescente, nos mudamos por um período para o Guará II e as brincadeiras eram na rua com muitos amigos vizinhos. Em toda a minha vida, o Parque da Cidade sempre foi um ponto de referência. Desde o Nicolândia e o foguete até o Teatro de Arena, onde pude ver Cássia Eller no Concerto Cabeças.
A transição entre a infância e a adolescência estão relacionadas a momentos políticos marcantes nos anos 1980. Você se recorda de alguns desses fatos históricos?
Em parte sim, principalmente do Movimento das Diretas Já, que participei sendo levada pela minha mãe. Tivemos que correr muito da polícia e meu pai brigou muito com minha mãe por ter me levado. Depois, o impeachment do Collor.
Como foi acompanhar as mudanças em Brasília?
Nossa! Muita coisa mudou mesmo. Os espaços livres da cidade nas quadras foram sendo ocupados, os prédios surgindo, mas dentro do planejamento. É claro que muita coisa mudou, mas diferente de outras cidades, você ainda a reconhece. Uma coisa que sinto muito é ver a W3 Sul tão abandonada. Era onde as pessoas se encontravam, andavam. A cidade pulsava ali. Ter o Roma, a Pioneira, a Festiva, a Livraria Arco Íris e o Centro Cultural da 508 resistindo até hoje é muito legal, faço questão de frequentar, mas chamo atenção para a Lei do Silêncio, que considero exagerada. Precisamos de música, de encontrar um com outro, de conversar, ir e vir por baixo de todos os blocos. Sou muito apaixonada por essa Brasília, que sei muito bem que não é a de todos. Temos as cidades do Entorno com diversos problemas.
Como foi a vida de trabalhadora andarilha por Brasília?
Nunca tive a opção de não trabalhar. Meu pai sempre acreditou mais no trabalho do que nos estudos, e isso, para mim, foi ótimo. Comecei a trabalhar aos 16 anos e fiz Escola Normal porque era profissionalizante e não tive que dar muita satisfação da escolha do curso de artes cênicas, que era visto com certo preconceito. Trabalhei em locadoras de carros no aeroporto, na loja Festas, onde aprendi a confeccionar todo tipo de enfeite e adereço, como desenhista numa serigrafia e, depois, na Novacap e na Secretaria de Cultura. Isso tudo em conjunto com a Faculdade Dulcina e a atuação nos palcos.
Quem foi a inspiração para cursar teatro?
Minha maior inspiração foi minha mãe. Após vê-la fazendo teatro, passei a participar do mesmo grupo aos 9 anos. O diferencial era que o grupo, apesar de ser ligado à Igreja Católica, não se atinha a peças religiosas e se apresentava nos teatros da cidade. Apesar de criança eu participava dos ensaios e exercícios, como todos. Minha mãe tem outra formação, mas quando a Faculdade Dulcina inaugurou, ela entrou pra primeira turma de bacharelado em artes cênicas. Não ficou muito tempo, mas eu a ajudava a decorar o texto da prova específica, me encantei e tive certeza que queria fazer o mesmo.
Qual a importância da Faculdade Dulcina no cenário teatral?
A Faculdade Dulcina tem vital importância nas artes cênicas da cidade. Foi a primeira instituição profissionalizante em bacharelado de Brasília. A arte era vivida ali, os profissionais mais importantes da área vieram lecionar. Os artistas de Brasília passaram e foram influenciados pela faculdade que ainda mantém formando artistas e educadores.
Como surgiu a ideia de criar o grupo A culpa é da mãe em uma época que o humor ainda não tinha tanto destaque em Brasília?
Estudando no Dulcina, fui levada pelo ator Ricardo Guti pra participar do grupo teatral Caricaturas. Os ensaios eram aos sábados, com apresentações pela cidade. Vários atores importantes da cidade como Madelon Cabral, Madelene Cabral, Rudney Silveira, Claudio Falcão e Áurea Lis faziam parte. Quando tive minha primeira prova de direção, participei de uma esquete cômica do Lauro Nascimento chamada As Namoradeiras e nos apresentamos muito em Brasília. Era muito engraçada, ganhamos vários festivais. Então, a produção incentivou e fizemos o segundo espetáculo, A culpa é da mãe, em 1991, comigo, Madelon, Madelene, Rudney, Welder e Pipo no elenco. Foi um sucesso na cidade e o grupo passou a ter o nome da peça.
E a transição para Os Melhores do Mundo?
A formação do grupo foi se modificando. Atores saíram, outros entraram e passaram pelo grupo. Com a entrada do Adriano Siri, em 1995, a formação se manteve e o grupo resolveu, então, trocar o nome, já que todos foram se profissionalizando. O ponto chave para o atual sucesso foi o desejo de ganhar o Brasil. Sabíamos que não seria fácil, mas resolvemos peitar. E não foi fácil mesmo, tudo que conquistamos foi com muito trabalho e insistência. A primeira ida para o Rio de Janeiro, por exemplo, em 1996, foi um fracasso estrondoso de público. Mas sabíamos que tínhamos que continuar tentando.
Qual é a importância de uma mulher ser referência no teatro da capital do país?
Tem uma importância gigante! Qualquer mulher que se destaca em alguma área pode saber que ralou muito para estar ali. Nosso caminho sempre foi e é muito mais difícil que o dos homens. No humor não é diferente, basta ver a quantidade de mulheres atuando em filmes, peças, comerciais e a quantidade de homens. Não temos o mesmo espaço, mas também consigo ver que estamos abrindo caminho. Essa mudança é visível em toda a sociedade. Quis desistir várias vezes, mas sabia que poderia conseguir insistindo e ainda insisto. Comecei a fazer stand-up há dois anos e agora tenho um canal de humor no YouTube com a Juliana Guimarães chamado Canal Cutículas, para dar vazão às questões femininas com graça.
Partindo para a televisão, o destaque que ficou marcado, sem dúvidas, é a personagem Juju, do Zorra Total, que você fez por três anos. Como era?
Incrível! O reconhecimento do trabalho por um público além do que você imagina é sensacional. E nesse caso foi e é lindo. Ficou marcado, as crianças amavam e acho que deu muito certo porque rolou uma identificação imediata com o público. Foi um primeiro estouro do que seria um empoderamento feminino. No humor, temos o exagero como um dos motes, mas a personagem era muito segura de si. Veio mostrar que não se encaixava nos padrões de beleza da sociedade, mas podia ser feliz mesmo assim.
Sua trajetória é de muito sucesso. Dentre todos, qual trabalho da carreira você considera o mais relevante?
Sempre o teatro. Ali, tenho meu maior referencial, sei fazer, começo, meio e fim. É a minha base e sempre será. Não tem como não dar certo mesmo quando dá errado, minha vida acontece ali. Entretanto, o grupo teatral estourou nacionalmente por causa da internet, não fechamos os olhos para isso. O teatro é o principal, mas o canal dos Melhores do Mundo no YouTube e no Instagram está sempre alimentado.
O humor ganhou novas linguagens, muito por conta do politicamente correto. Como você encara essa mudança?
A mudança não é no humor, é na sociedade que se transforma. Algumas coisas não tem mais graça e o termômetro disso é o público, é natural que seja. Agora, impor regras para o humor não faz sentido. O humor é o errado, se não pudermos nos manifestar sem censura não podemos inclusive errar. E a arte se faz tentando, errando, aprendendo. Eu, como comediante, sou contra o politicamente correto. Vou me moldando pelo público que vai me assistir e que se manifesta ali, conhecendo meu trabalho, me alertando quando é o caso. Várias situações estão sendo tiradas de contexto por uma parte da sociedade que resolveu defender tudo e todos, sendo que as coisas podem ser mais leves. É preciso arriscar no humor, sem imposição e sem processos.
*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira