Recado
“Entre todos os homens, o romancista é o que mais se assemelha a Deus: ele copia Deus.”
François Mauriac
Rito de passagem
Páscoa é palavra hebraica. Quer dizer passagem. É tão antiga quanto o rascunho da Bíblia. Bem antes de Moisés vir ao mundo, os pastores nômades comemoravam a Páscoa. Cantavam e dançavam pela chegada da primavera. Na nova estação, a neve se ia. Os campos de cobriam de pastagens. Os alimentos abundavam.
Mais tarde, os judeus começaram a festejar a Páscoa. Lembravam, com sacrifícios, a saída do povo de Israel do Egito. Era a passagem da escravidão para a liberdade. No livro Êxodo, a Bíblia conta toda a história.
Em 325, os cristãos instituíram a Páscoa. Com ela, exaltam a ressurreição de Cristo. Em outras palavras: a passagem da morte para a vida. Para católicos e protestantes, a Páscoa simboliza a morte vicária. Jesus morreu no lugar dos homens. Para salvá-los.
Passageiros
“Ainda hoje somos homens e mulheres de passagens; somos filhos da Páscoa. Os mares existem; os cativeiros também. As ameaças são inúmeras. Mas haverá sempre uma esperança a nos dominar; um sentido oculto que não nos deixa parar; uma terra prometida que nos motiva a dizer: ‘Eu não vou desistir!’. E assim seguimos. Juntos. Mesmo que não estejamos na mira dos olhos. O importante é saber que, em algum lugar deste grande mar de ameaças, de alguma forma estamos em travessia.” (Padre Fábio de Melo)
Filharada
O substantivo Páscoa sentiu-se solitário. Para formar família, recorreu ao sufixo –al. Com ele, formou os adjetivos pascal e pascoal. As duas letrinhas aparecem em montões de adjetivos. Em todos, têm o mesmo significado. Querem dizer relacionado com, pertinente a.
Pascal e pascoal são relacionados com a Páscoa (festa pascal, Monte Pascoal). Campal, com campo (batalha campal). Matrimonial, com matrimônio (festa matrimonial). Mortal, com morte (acidente mortal). Crucial, com cruz (resposta crucial).
Que tal o meu lugar?
A religião fala em morte vicária. A língua, em termo vicário. Ambos têm dois pontos comuns. O primeiro: a substituição. A morte de Cristo substituiu a dos homens. O termo vicário toma o lugar de outro que foi citado. O segundo: o objetivo nobre. Jesus salvou os homens. O termo vicário evita repetição.
Termos vicários
Generosa, a língua oferece montões de possibilidades para evitar que repitamos palavras. É o caso dos pronomes. Muitos ocupam o lugar de um nome referido. Com eles, evita-se a monotonia. Quer ver?
Muitas pessoas têm triplo expediente. Vale o exemplo de Maria. Ela trabalha das 8h às 18h. Depois, estuda.
João e Rafael estudam na UnB. Este cursa engenharia. Aquele, medicina.
Você viu o coelho por aí? Vi-o escondendo ovos coloridos.
Mais exemplos
Na vida, há pessoas sem caráter. Macunaíma é uma delas. Na língua também há. O campeão da turma é o verbo fazer. Num piscar de olhos, lá está ele no lugar de outro. Vale o exemplo da frase jocosa atribuída a Jânio Quadros. Nela, o bigodudo abusa do vicário:
— Por que o senhor renunciou?, perguntou o repórter.
Fi-lo (renunciei) porque qui-lo (quis renunciar), respondeu o homem da vassourinha.
Mudança para o céu
Propriedade vocabular é usar a palavra mais adequada ao contexto. A mudança para o céu serve de exemplo. Quarenta dias depois da Páscoa, Jesus voltou pra casa. Sozinho, sem ajuda. O ato milagroso se chama ascensão. O verbo, ascender. Maria seguiu o filho. Mas precisou ser levada. A subida dela às alturas se denomina assunção.
Leitor pergunta
Ora vejo semana santa grafada com iniciais maiúsculas. Ora com minúsculas. E daí?
Lúcia Beta, São Luis
Escrevem-se com a inicial grandona as datas comemorativas, fatos históricos e importantes festas religiosas: Primeiro de Maio, Sete de Setembro, Proclamação da República, Dia das Mães, Dia dos Namorados, Dia da Árvore, Natal, Páscoa, Guerra dos Farrapos.
Grafam-se com a inicial pequenina: as festas pagãs (carnaval, ano-novo). Também os substantivos comuns quaresma, semana santa, quarta-feira de cinzas, sábado de aleluia.