Diversão e Arte

Riachão eterno



Autor de Cada macaco no seu galho, regravada por Gilberto Gil e Caetano Veloso, e Vá morar com o diabo, interpretada por Cássia Eller, o cantor e compositor Riachão, considerado um dos grandes nomes do samba da Bahia morreu ontem, aos 98 anos.

O sambista morreu durante a madrugada enquanto dormia em sua casa, no bairro do Garcia, em Salvador, mesmo local onde nasceu e cresceu. A importância de Clementino Rodrigues para o bairro foi tanta que, em 2015, a prefeitura de Salvador decidiu homenageá-lo, mudando o nome de um dos tradicionais circuitos de carnaval da cidade de Mudança do Garcia para Circuito do Riachão.

O legado de Riachão para o samba é imenso, em entrevista ao Correio em 2014, o cantor revelou que compôs mais de 500 músicas ao longo da vida. “Tinha vezes que nascia uma por segundo, só você vendo. Coisa linda que Deus fez comigo. Músicas macias como água”, contou. A maior parte das criações, contudo, ficou pelo caminho. “Já me esqueci de quase todas. No nosso tempo, não se gravava.”

Em 2013, o compositor lançou o último álbum o Mundão de ouro, que conta com 15 canções, 13 delas inéditas na época. O cantor ainda se preparava para o lançamento em comemoração ao centenário de vida, o Se Deus quiser vou chegar aos 100, álbum que planejava gravar em 2020, com repertório inédito e autoral.

Grande cronista do samba, Riachão quase não saía de Salvador, mas suas histórias e composições chegavam a todos os cantos do Brasil. No Distrito Federal, a sambista Dhi Ribeiro, com raízes na capital baiana, lamentou a morte do cantor, que ela definiu como “inspiração”.

“Em toda a trajetória de vida do Riachão, ele contou histórias da Bahia. Ele e outros compositores tinham essa função histórica, de acordo com a linha do tempo do trabalho dele, a gente vê a história de Salvador acontecendo. Meu avô era próximo dele e ouvi muitas histórias, também acompanhava e adorava o jeito que o Riachão era feliz, era contagiante a alegria dele”, relembra Dhi.

Breno Alves, do grupo 7naRoda, completa que foi uma grande perda para o samba. “Riachão era um dos pilares do samba da Bahia, junto com Batatinha, Dorival Caymmi, Ederaldo Gentil e outros. Ele conseguiu durante todo esse tempo manter acesa a chama do samba. Por muito tempo foi difícil fazer o samba de raiz com o crescimento do axé, e o Riachão foi um dos mestres que cresceram bebendo da fonte do samba de raiz”, conta o músico.

Controverso

A composição de Riachão Vá morar com o diabo percorreu o Brasil na voz de Cássia Eller. A letra da canção, entre outros fatores, chama a atenção por alguns dizeres machistas. Na entrevista ao Correio em 2014, o músico revelou não gostar da canção.

“Naquele tempo, a rapaziada ia bater papo, tomar cachaça. Você sabe, tem sempre uma história diferente que sai. Não deu outra. A gente tomando um traguinho e um amigo contou da história com a nega dele. Ela não queria nada: nem cozinhar, nem lavar louça, nem varrer o barracão. Achei estranho, mas ele continuou: “Ah, quem aguenta isso?! Vá morar com o diabo”. Foi a palavra final. Depois, Jesus mandou essa música. Cantei e muita gente gostou”. O cantor explica: “Vou lhe ser franco, eu não gosto dela. Porque a palavra final foi contra a mulher. E a mulher, para mim, depois de Deus, eu não tenho nem palavras para dizer... (Canta trecho da música) Isso foi na época que esse carro Cadillac estava na moda. Mas essa palavra, “diabo”, é grosseira, e faz mal à mulher”, disse na oportunidade.

Em seu primeiro disco, o grupo 7naRoda regravou a canção Vá morar com diabo, mas hoje busca mudar a percepção de olhar social. “Quando Riachão compôs a canção, ainda não tinha uma discussão forte com relação aos direitos das mulheres então isso passou. Gravamos em 2013, mas agora buscamos trazer o lado feminino.”

Cinema

A história do compositor se tornou documentário no filme Samba Riachão, do diretor Jorge Alfredo. O longa foi premiado em várias categorias da 34ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2001, entre elas a de melhor filme. Na premiação, que ocorreu no Cine Brasília, o público ovacionou o artista e pediu para que subisse ao palco, onde cantou a capella.

O documentário traz depoimentos de pessoas que passaram pela vida dele, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Dorival Caymmi, Antonio Risério e radialistas que acompanharam a carreira de Riachão.

*Estagiário sob a supervisão de Igor Silveira