Recado
“Um autor só é autor no momento em que escreve. Depois, passa a ser um leitor a mais da própria obra.”
Autran Dourado
Isso também passa
São tempos de guerra. O coronavírus ataca com a rapidez do raio. Recolhimento é a ordem. Netos ficam longe dos avós. Escolas, cinemas, teatros mantêm as portas fechadas. A praia tem de ser esquecida. O trabalho é feito a distância. Ufa! Desesperar-se? Nem pensar. Vale a historinha que vem da China.
Um monge educou muitos jovens. Velhinho, despedia-se do derradeiro discípulo que lhe pediu:
— Mestre, me dê um último conselho.
Sem pressa, o mestre pegou um pedaço de papel, escreveu uma frase e o entregou ao rapaz:
— Só a leia quando estiver num momento extremo, sem saída.
Passaram-se anos. O homem, já maduro, se perdeu num safári. No meio do descampado, tinha à frente um abismo. Dos demais lados, feras o perseguiam. Lembrou-se então da mensagem do mestre. Abriu-a. Lá estava escrito com letra cuidadosa: “Isto também passa”.
Pleno poder
O que fazer? Sobram opções. Uma delas é a leitura. Ao pegar um livro, um jornal ou uma revista, a pessoa exercita o poder. Faz e acontece. Quem lhe assegura a força é Daniel Pennac. Ele escreveu os direitos imprescritíveis do leitor. Conhece?
1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível).
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. O direito de não comentar.
Dois extremos
É panelaço a favor. Panelaço contra. Enquanto os extremos se manifestam, vale uma diquinha de português. Qual o significado do sufixo –aço? Ele é aumentativo. A gente o usa a torto e a direito. Valem exemplos: jogaço, animalaço, ricaço, carteiraço, golaço. E por aí vai.
Três separações
“O Brasil fechará parcialmente as fronteiras”, disse Jair Bolsonaro. Acertou. O coronavírus trouxe ao noticiário questão de propriedade vocabular. Qual a palavra adequada para nomear a linha que separa dois países? Alguns falam em fronteira. Outros, divisa. Limite também aparece. Os três substantivos separam, mas entes diferentes. Guarde isto: Fronteira separa países. Divisa separa estados. Limite separa cidades.
Escolha
Férias viraram pesadelo. Um passageiro estava com coronavírus. O navio que transportava turistas pelo litoral brasileiro ficou retido no porto … de Recife ou do Recife? A gramática abona ambas as formas. Mas, se você estiver na charmosa cidade de Manuel Bandeira, João Cabral, José Paulo Cavalcanti & cia. talentosa, diga o Recife. O artigo acaricia os ouvidos de adultos e crianças. Oba!
Em casa
“Com mais movimento, supermercados apostam na entrega em domicílio”, escreveu o site do Estadão. Certo? Certíssimo. As entregas são feitas em escolas, em hospitais, em supermercados e, claro, em domicílio. Melhor: em casa.
Nãooooooooo
A discussão girava em torno das Olimpíadas de Tóquio. “Os jogos podem ser adiados?”, perguntou o repórter. “É possível que sejam adiados pra depois”, respondeu o entrevistado. Ops! Baita pleonasmo. Adiar é sempre pra depois. Basta adiar. Ou adiar para esta ou aquela data: Os jogos podem ser adiados. Os jogos podem ser adiados para dezembro.
Leitor pergunta
O presidente disse: “Não se surpreenda se você me ver entrando em ônibus”. Bateu no verbo ver, não?
Timóteo Araújo, Porto Alegre
Ele esqueceu que os tempos verbais têm pai e mãe. O futuro do subjuntivo nasce do pretérito perfeito do indicativo. Mais precisamente da 3ª pessoa do plural menos o –am que vem no finzinho. Assim:
Pretérito perfeito: vi, viu, vimos, vir(am)
Parece mágica. Surge a 1ª pessoa do singular do futuro do subjuntivo. Depois, é só seguir a conjugação: se eu vir, ele vir, nós virmos, eles virem.
Logo: Não se surpreenda se você me vir entrando em ônibus.