Diversão e Arte

Elke Maravilha, uma contadora de causos

Biografia em formato de áudio destrincha a verdadeira história da modelo e atriz que se tornou uma figura emblemática no Brasil





Modelo, atriz e apresentadora. Esses foram os ofícios que levaram Elke Maravilha ao estrelato nos anos 1970 no Brasil. Mas foi o jeito excêntrico de agir — sem papas na língua — e de se vestir — com muitas cores, cabelos longos, loiros e esvoaçantes e com uma maquiagem que remetiam às drags queens — que a tornaram uma figura bastante conhecida mesmo após quase quatro anos de sua morte. “Acho que ela teve um impacto imagético muito difícil de medir. Muita gente se diz até hoje brutalmente influenciada pela imagem dela, de estilistas a diretores de cinema passando por escritoras. Têm também muitas mulheres LGBTQs”, avalia o jornalista e escritor Chico Felitti.

Felitti é o autor da obra Mulher Maravilha, biografia sobre Elke Maravilha lançada neste ano no formato de audiobook dividido em 11 episódios e disponível na plataforma Storytel. Na obra, o jornalista compartilha uma pesquisa de horas e mais horas de entrevistas com a atriz feitas há 15 anos, quando ele teve a ideia de investigar a trajetória da artista com o objetivo de transformá-la no trabalho de conclusão do curso de jornalismo. “Eu, como vários outros alunos, queria fazer um perfil ou uma biografia da Elke. Na época, eu não sabia muito o que queria fazer. Descolei o número da casa dela no Leme, no Rio de Janeiro, liguei, e ela me atendeu. Ela fazia isso com todo mundo, atendia toda e qualquer pessoa. A gente começou a se encontrar, e eu fazia essas entrevistas. No fim, esse trabalho acabou nunca existindo”, lembra.

O TCC não foi para frente, mas a amizade entre Chico Felitti e Elke Maravilha, sim. Há dois anos, quando a Storytel chegou ao Brasil, ele foi convidado pela plataforma de audiobook para fazer a primeira obra original do serviço. Para complementar o conteúdo já captado durante os anos de conversa com a artista, o jornalista entrevistou pessoas próximas a Elke e iniciou um trabalho de checagem de uma série de informações relacionadas à atriz, que se mostraram conflitantes ao longo dos anos. “Ela tinha um domínio muito bom das conversas. Ela era muito boa contadora de causos. Sempre falava sobre o que queria. Quando parei para ouvir, vi que algumas histórias eram boas demais, que pareciam improváveis. Comecei a buscar provas e a entrevistar pessoas”, conta.

Mitos e verdades

A principal descoberta foi sobre a real origem de Elke Maravilha. Por anos, a atriz alegou ter nascido em Leningrado, hoje São Petersburgo, na Rússia. “Ela adorava dizer que nasceu no meio da Segunda Guerra. Com o levantamento da árvore genealógica, comecei a achar mais difícil que a mãe dela tivesse atravessado a Europa grávida. Tive acesso a certidão, que mostrou que não”, afirma. A descoberta do verdadeiro local de nascença, cidade no sul da Alemanha, é um dos assuntos abordados no audiobook.

A obra ainda destrói outros mitos de Elke, como a entrada na televisão, os conflitos com Silvio Santos, a nacionalidade brasileira caçada e o alcoolismo no fim da vida. “A mesma coisa aconteceu com a entrada dela na televisão. Ela sempre falou que atendeu o telefone um dia e era o produtor do Chacrinha. Consegui vários depoimentos de muita gente, que falou que ela foi atrás desse emprego. Ela também atribuiu o período em que ficou sem documentação no Brasil à prisão na ditadura. Que ela tinha tido todos os documentos cassados. Porém, ela nunca havia pedido a renovação da cidadania brasileira, ela já estava sem pátria”, completa.

Ao mesmo tempo, faz questão de celebrar a importância da personagem para a cultura brasileira, como influência na moda, no cinema e no cenário LGBTQ. “A moda e a cultura se inspiram muito nela. Ela pegava lá atrás muito do que aconteceu nas ruas, na cena drag, e criou essa personagem de alta moda. Ela foi uma grande criadora de entradas e portas para a comunidade LGBT, que ela sempre advogou a favor”, analisa.

Em 11 episódios, Mulher Maravilha retrata a vida de Elke por período. Essa foi a escolha de Felitti para facilitar a compreensão da obra. “Foi um pouco desafiador essa questão de dividir em episódios, porque tinha um formato estabelecido. Precisava  ter um número de episódios, com uma duração. Mas não tive que me policiar muito não. No fim de cada capítulo tem sempre um recorte temporal da fase da vida dela”, diz e exemplifica ao citar dois episódios, um sobre os filmes gravados com Zezé Motta nos anos 1970, e outro , sobre a volta ao programa do Chacrinha.



Mulher Maravilha
De Chico Felitti. Narração de Fernanda Stefanski. Direção de Marcel Izidoro. Storyside. Audiobook com 11 episódios, com duração média de 15 minutos cada. Disponível no site e no aplicativo Storyrel.



Duas perguntas/ Chico Felitti


Você acha que ela teve uma influência na cultura LGBT?
Com certeza, ela foi uma grande criadora de entradas e portas para a comunidade LGBT, que ela sempre advogou a favor. E essa foi uma das grandes tristezas dela no fim da vida, porque uma parte da militância a abandonou, começou a achar o discurso dela ofensivo e machista. Ela teve um período de grande tristeza, em que se sentiu desprivilegiada.


Temos outra figura hoje como Elke Maravilha?
Várias. Walcyr Carrasco me disse que Dudu Bertholini (estilista) é uma Elke Maravilha, por ser uma figura exuberante, que passa alegria e é completamente anárquica. No mundo da televisão, você vê a referência muito direta da Elke desde a Xuxa. Foi a Elke que inventou a bota na coxa. Ela começou a criar isso na década de 1970.