A questão da representatividade feminina na música não fica restrita à parte técnica. As mulheres como intérpretes são destaque no cenário atual musical, mas, mesmo assim, elas ainda não ocupam os mesmos espaços de protagonismo que os artistas masculinos. Em shows e festivais, cantoras são deixadas de lado e não integram as programações desses eventos. Uma pesquisa realizada por Thabata Arruda, proprietária da plataforma Ouça Música Independente, curadora e pesquisadora musical com foco em mercado, comportamento e identidade musical, analisou o line-up de diversos festivais brasileiros. Thabata constatou que a participação feminina nesses palcos não passou de 20% nos últimos três anos, entre 2016 e 2018.
O levantamento realizado por Thabata encontrou festivais de música que contavam com 0% de participação feminina tocando nos eventos. Para chegar a esses números, foram analisados 76 eventos de diferentes estilos, tamanhos e programações, e em todos foram identificados a tímida presença feminina em locais de protagonismo. “Eu fiquei em choque quando percebi que existiam festivais que não tinham nenhuma participação feminina, a gente estava em 2018”, relembra a pesquisadora.
O fator central de não ter mulheres no topo da liderança, ou como headliners, é um reflexo histórico da sociedade machista e patriarcal. “Não existe essa separação de sociedade e indústria fonográfica, então é só um reflexo da estruturação da sociedade. A mulher já nasceu em espaços restritos. É um ciclo de medo e culpa, a partir do momento em que não vemos muitas mulheres nesses lugares, a gente acredita que não deve ocupar. Então, acreditamos que não somos boas o suficiente para ocupar esses espaços. A gente se fecha. Ou seja, representatividade importa”, pontua.
“É importante promover essas análises para entender aonde a gente está agora e perceber o tamanho desse problema e dessa desigualdade. Quando realizei a pesquisa, no ano passado, percebi que as mulheres trabalhadoras da música, em todas as espécies, ficaram incomodadas e compartilharam essas informações. Perguntei se elas nunca tinham percebido essa desigualdade. No entanto, depois me toquei que, apenas materializei para elas esses dados, e é importante essa materialização para percebermos onde a gente está e o que temos que fazer para mudar esse cenário”, completa Thabata.
Outro fator que causa estranhamento ao analisar esses dados é o fato de os mulheres estarem produzindo. Cada vez mais surgem cantoras de diversos gêneros no mercado. No entanto, essa ascensão não se reflete nos festivais, nas premiações e nas paradas de sucesso. “Eu me sinto muito otimista em saber que o problema não está na gente e, sim, nas estruturas”, pondera.
Um outro cenário que chama atenção, é o “backstage” das produções musicais: a indústria fonográfica também falha ao apresentar uma enorme discrepância entre o número de versionistas, musicistas executantes, produtoras fonográficas ou autoras, quando comparadas ao número de homens nessas áreas.
Outro relatório produzido em 2019 pela União Brasileira de Compositores (UBC), intitulado de Por Elas Que Fazem a Música, revelou um mapeamento do papel e da representatividade feminina na música brasileira. A pesquisa comprova que apesar do crescimento da participação da mulher no mercado fonográfico, em comparação aos três últimos anos, ainda há um longo caminho rumo ao equilíbrio de gênero no setor. .
Para Elisa Eisenlohr, coordenadora do projeto Por Elas Que Fazem a Música, é muito importante sempre manter essa discussão, visto que quanto mais se comenta, mais visibilidade a temática se ganha. “Muito tempo atrás, nós percebemos que há essa discrepância de gênero considerável na música e chegamos a conclusão que trazer essa temática, mantém o assunto em voga”, revela o objetivo da pesquisa.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco
Presença feminina
Em aspectos individuais, ao longo da história da música brasileira, grandes mulheres quebraram padrões e foram além. “O maior exemplo pra mim é a Chiquinha Gonzaga, ela foi uma mulher porreta enquanto compositora, maestrina, que regeu uma orquestra que era composta majoritariamente por negros”, conta Thabata Arruda.
Chiquinha Gonzaga
• Maestrina, pianista e compositora carioca, Chiquinha Gonzaga inovou o cenário musical e até hoje é um dos grandes nomes da música popular brasileira.
Elza Soares
• Além de ícone da MPB, Elza Soares é uma das cantoras mais notáveis da música brasileira, sinônimo de luta, a cantora com visões revolucionárias sobre o mundo e sociedade.
Elis Regina
• Foi uma cantora da música popular brasileira reconhecida internacionalmente. Ela se aventurou pela MPB, pela bossa nova, pelo jazz e pelo samba. Também à frente de seu tempo, Elis era engajada na política e fazia críticas ao governo nas canções e interpretações.
Maria Bethânia
• Com mais de 50 anos de carreira, Maria Bethânia é cantora e compositora brasileira, e já lançou mais de 20 álbuns.
Alcione
• Alcione Dias Nazareth é cantora, compositora e instrumentista brasileira. Considerada uma das mais destacadas sambistas do país.
Rita Lee
• É considerada uma das maiores representantes do rock no Brasil. Participou da banda Os Mutantes ao lado de Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, em 1966, depois seguiu carreira solo e vendeu milhares de cópias de seus discos.
Dona Ivone Lara
• Cantora e compositora brasileira, conhecida como Rainha do Samba e Grande Dama do Samba, foi uma das primeiras mulheres a ser reconhecida na composição.
Anitta
• Iniciou a carreira no funk, e, atualmente, é um dos maiores nomes do pop nacional. Além de cantora, ela é compositora, atriz, apresentadora e produtora brasileira.
Marília Mendonça
• É um dos maiores nomes do sertanejo atual. Condecorada como “rainha da sofrência”, a cantora também é compositora e instrumentista.