Elas no singular nasceu de um convite de uma amiga, que, um dia, sugeriu à diretora Fabrizia Pinto realizar uma série sobre escritoras brasileiras. “Fui para casa com essa ideia na cabeça e montei um projeto”, conta Fabrizia, que escolheu um total de 20 autoras. O tempo passou, a lista precisou ser reduzida e a diretora começou a trabalhar na série para a HBO. O resultado está em Elas no singular, que estreia dia 17, no canal e conta a história de oito escritoras brasileiras em episódios de 30 minutos.
Depois fazer uma triagem, a diretora concentrou o projeto em oito nomes, algumas que já se foram: Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles, Rachel de Queiroz, Conceição Evaristo, Clarice Lispector, Adélia Prado, Nélida Piñon e Cora Coralina. Desde o início, a intenção era apostar em um formato de documentário narrado em primeira pessoa (com atrizes como narradoras). Ela não queria depoimentos nem visões de terceiros sobre as autoras. “É um monólogo”, avisa. “O conceito era fazer assim, sem depoimentos, na primeira pessoa para que cada escritora contasse sua própria história.”
Reduzir a lista de 20 para oito nomes foi um dos desafios enfrentados pela diretora. Ela queria nomes capazes de refletir épocas, estilos, origens e personalidades diferentes. “Então tem Cora Coralina, nascida no século 19, e Hilda Hilst, que é dos anos 1970. Assim o documentário cobre áreas diferentes”, avalia. Para construir o roteiro e o texto, Fabrizia e Gustavo Ribeiro, também diretor da série, mergulharam na literatura das autoras, mas também em documentos de arquivo como entrevistas, cartas, crônicas, diários e tudo que pudesse dar uma noção do que elas pensavam sobre a vida e sobre a própria produção.
Crônicas
Algumas escritoras, como Clarice Lispector, deram mais trabalho, pois a autora de A hora da estrela concedeu poucas entrevistas durante toda a vida. “Porém ela escreveu bilhões de crônicas e falou da vida dela. E a literatura dela é muito pessoal”, repara Farbrizia, que contou com a participação de uma atriz para falar o texto atribuído a Clarice. Esse é o mais abstrato de todos os episódios de Elas no singular e a atriz Rita Elmor, que fez duas peças sobre a escritora, assume as falas do roteiro em cenas nas quais aparece debruçada numa janela, um hábito de Clarice Lispector.
No episódio sobre Cora Coralina, Fabrizia se inspirou na terra natal da poeta, Goiás Velho, e em um vídeo no qual aparece andando pela cidade. A antiga casa de Cora serviu de locação e muita coisa foi filmada no local, hoje conhecido como Museu Casa de Cora Coralina. “Como era poeta, é inevitável ter poesia. São imagens poéticas do universo de cada uma delas e, no caso de Cora, do Goiás Velho.”
A casa de Rachel de Queiroz também aparece na série como uma das locações. A construção, localizada no sítio Pici, em Fortaleza, foi tombada patrimônio histórico e é parte importante da história da escritora. Ela mesmo, junto com o pai, desenhou a residência e lá escreveu o primeiro romance, O quinze. “Nos livros, ela conta muitas coisas nas quais a casa é muito presente, o sertão é muito presente, então a gente foi roubar cenas daqueles lugares que ela descreve”, conta a diretora. A atriz Georgina Castro vive algumas cenas no papel de Rachel de Queiroz jovem, mas Fabrizia explica que não chega a ser uma encenação.
Esse tipo de recurso foi utilizado em outros episódios para ajudar a manter a narrativa em primeira pessoa. “As escritoras falam na primeira pessoa, mesmo tendo uma atriz que complementa a fala delas. Tudo que é dito vem delas. Não existe interpretação, silhueta, imagem fora de foco, é uma sensação da presença.”
Durante a confecção de Elas no singular, Fabrizia entrevistou pessoalmente apenas Nélida Piñon e Conceição Evaristo. Dessas, há entrevistas e a presença delas mesmas nos episódios. De fora ficou Cecília Meireles, cujo documentário foi inviabilizado por uma briga familiar. Há quase duas décadas, uma disputa judicial entre netos e sobrinhos trava a publicação de livros da poeta e qualquer ação relacionada a direitos autorais. “A família não deixou, nem me atendeu. É muito triste não perpetuar pessoas que são tão importantes na formação do ser humano. É uma tristeza que a geração de hoje não tenha Cecília Meireles à mão, porque poetas como ela são pessoas que mudam a gente, que estimulam a pensar”, lamenta a diretora.
Duas perguntas / Fabrizia Pinto
Por que era importante, para você, que o documentário fosse inteiramente feito em primeira pessoa?
Porque acho que, quando você fala na primeira pessoa, fica mais fidedigno. Quando você tem um depoimento de uma terceira pessoa, é sempre a visão de uma terceira pessoa. No caso, o que eu queria é que elas contassem as próprias histórias. Todas escreveram, de uma maneira ou de outra, sobre elas mesmas. Todas, de alguma maneira, se colocam no personagem, mesmo que inconscientemente.
E por que mulheres?
Isso foi um pedido da HBO e me apaixonei, porque nada mais é importante do que falar sobre mulheres hoje. E porque sou mulher. A gente raramente fala na literatura ou nas artes das mulheres. É sempre o homem que está no pódio, então acho importante elas falarem sobre elas.