A fábrica de histórias que funcionava na cabeça de Hans Christian Andersen era, além de produtiva, muito original. Se os irmãos Grimm deram forma de narrativa a mitos e fábulas já existentes na cultura popular alemã, Andersen criou um universo de histórias inéditas que se tornaram clássicos eternamente reeditados. Este mês, a Editora Nova Fronteira lança uma caixa em dois volumes com seleção intitulada Os 77 melhores contos de Hans Christian Andersen.
Muitos dos contos desse dinamarquês, filho de um sapateiro e de uma lavadeira, ganharam o mundo com narrativas cheias de ironia e poesia. São histórias como O patinho feio, A menina dos fósforos, A roupa nova do imperador e O soldadinho de chumbo. Responsável pela organização e pela seleção dos contos, Luciana Sandroni revela que releu quase todos antes de organizar os dois volumes. “Depois dos 50 anos, reler essas histórias, apesar de estarem na nossa cabeça, é uma riqueza, um espanto tão grande! Ele é um escritor realmente muito especial”, diz Luciana. “É o primeiro escritor que, no século 19, escreve para crianças e fala da pobreza.”
Muitos dos personagens de Andersen são pobres e sofrem discriminação. “Ele tem muito esse olhar para o excluído, para o humilde. E não só nos contos famosos”, aponta Luciana. A origem familiar pobre e a infância humilde e complicada — o escritor tinha problemas, por exemplo, em se adaptar à escola — influenciaram na escolha e na descrição dos personagens. Provocar a sensação de compaixão por meio de protagonistas sofridos faz parte da intenção do autor que, muitas vezes, condena seus personagens à morte. Difícil esquecer-se do destino da menina que acendia fósforos para se aquecer na noite gelada de ano-novo, por exemplo.
Para dar aos contos uma ordem que não fosse necessariamente cronológica, Luciana decidiu dividi-los em dois volumes: Contos do mar e do campo e Contos urbanos. “Comecei a reparar que tinha muitos contos passados dentro do lar, nas casas, com objetos como o soldadinho de chumbo, que são os objetos da casa que tomam vida”, conta. Outros contos falavam da natureza e se passavam em jardins e florestas, sempre pontuados por muitos detalhes. “Achamos interessante dividir assim. E também mostrar os contos mais adultos, mais urbanos, mais fantásticos”, diz Luciana.
Os contos de fadas ficaram no volume campestre enquanto aqueles com conteúdo mais sombrio foram para o volume urbano. Hans Christian Andersen é considerado o pai da literatura infantil mundial, porque foi o primeiro a realmente inventar histórias. Ele misturou os elementos dos contos de fadas, como os universos mágicos e fantásticos, para criar narrativas originais e inéditas.
Se seus personagens são tristes e excluídos, ao longo das histórias, eles ganham confiança e crescem. O patinho feio se torna um lindo cisne admirado por todos, e a menina sincera é a única a ter coragem de dizer que o rei está nu, e não vestido com uma roupa que só pessoas especiais podem enxergar.
Para Luciana Sandroni, as histórias de Andersen são muito atuais, porque ele gostava de dar protagonismo a personagens nem sempre glamourosos. “Em A menina dos fósforos, por exemplo, ele olha para a criança que passa frio e fala com tanto detalhe, que a gente sente na pele. Ele fala da fome, da pobreza, mostrando que as pessoas pobres estão nas histórias, são protagonistas dessas histórias. Não digo que está denunciando, mas, pra gente, hoje, passa essa ideia”, acredita a organizadora.
Os 77 melhores contos
De Hans Christian Andersen. Editora Nova Fronteira, Vol 1., 288 páginas, Vol 2. 352 páginas. R$ 169,90