Ocupar espaços, desmistificar estereótipos, representar a todo um público e ainda arrancar boas gargalhadas. Essas são as missões de um comediante negro de stand-up, que além de provocar o riso, traz piadas de identificação para um público que, muitas vezes, foi tido como piada pronta.
Apesar do número de humoristas negros conhecidos ser menor em relação aos brancos, o trabalho de qualidade fez com que nomes como Yuri Marçal, Hélio de La Peña, Gui Preto e Kedny Silva se destacassem. Yuri está produzindo especial de comédia para Netflix, Hélio ganhou grande reconhecimento pelo trabalho no programa Casseta e Planeta da TV Globo, Gui está em preparação para o especial Gui Preto só para branquinhos Vol. 1 e Kedny Silva estourou no Youtube com o vídeo Serviço Militar Obrigatório, mas juntos criaram o grupo de comédia stand-up Coisa de Preto.
O nome Coisa de Preto surgiu após o vazamento da filmagem do apresentador William Waack em 2017, em que ele diz uma frase racista em uma entrevista com Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, realizada em um estúdio em frente à Casa Branca, na capital dos Estados Unidos, em 2016. “Tá buzinando por quê, seu m. do cacete? Não vou nem falar porque eu sei quem é”. O jornalista, então, olha para o convidado e diz: “É preto. É coisa de preto”. A repercussão do episódio levou ao seu desligamento da TV Globo, anunciado em carta conjunta entre o apresentador e a emissora. Em artigo no jornal Folha de S. Paulo, em 2018, o jornalista disse que se tratava de piada: “Aquilo foi uma piada — idiota —, sem a menor intenção racista, dita em tom de brincadeira, num momento particular”.
De acordo com o humorista Kedny Silva, o grupo aproveitou que o assunto estava em alta no momento e usou a frase com intuito de ressignificá-la e mostrar que a comédia em stand-up também é coisa de preto. “Quando acertei meu primeiro vídeo no Facebook, vi um pessoal falando: ‘que legal é o primeiro stand-up negro que eu vejo’, mas tinha outros. Conversando com o Yuri, decidimos criar um grupo de WhatsApp de humoristas negros. Depois do caso do William Waack, decidimos fazer shows com o grupo para desmistificar que negro é algo ruim, usando como nome a mesma frase que ele disse”, explicou.
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Com mais de 10 anos de carreira, Kedny identificou evoluções e diferenças tanto do público, quanto dos comediantes, depois do aumento de visibilidade dos humoristas. “Percebemos que a partir do momento em que começamos a acertar nos vídeos, passamos a ter mais negros na plateia. Antes, era eu e o Gui no elenco e mais uns quatro negros assistindo. Hoje, fazemos questão de perguntar se tem negro plateia e eles levantam a mão, damos uma mensagem de apoio para que eles continuem indo aos teatros”.
O crescimento da identificação do público parte também por uma iniciativa do humorista, que ao assumir uma identidade nos textos, atrai mais pessoas que se sentem representadas nas piadas. “Quando estamos iniciando, caímos nos clichês que, muitas vezes, é primeira ideia. Quando chegamos a ter uma consciência maior, tentamos sair dessa bolha e buscar a identidade. Rompi com essa impressão de senso comum e cheguei à minha identidade, que fez com que muita gente se identificasse”, completa Gui.
O sucesso do Coisa de Preto encorajou e deu mais visibilidade para outros grupos de comédia como O Guetto e Mulheres de Preto, todos de comediantes negros. “Às vezes, perguntam: ‘por que fazer um grupo só de negros? E se fizessem um só de brancos?’ E eu logo respondo: ‘mas já tem né? E são vários’”, finaliza Kedny.
*Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco