Diversão e Arte

Projeto abre espaço para jovens que cumprem medidas socioeducativas

O Onda, por sua vez, é parte do Instituto de Estudos Socioeconômicos e visa inserir o tema dos direitos humanos e do orçamento público

 

 

A pintura, a fotografia, o cinema e a música podem dar voz e humanizar aos que estão privados da liberdade. Essa experiência foi vivenciada por um grupo do programa Vozes da Cidadania, que produziu o livro de poesias e a exposição fotográfica Para além das algemas - Nóis também é humano, com produções de adolescentes em medida socioeducativa de privação de liberdade. O programa Vozes da Cidadania emergiu a partir de um projeto maior desenvolvido pelo Onda - Adolescentes em Movimento Pelos Direitos.

 

O Onda, por sua vez, é parte do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e visa inserir o tema dos direitos humanos e do orçamento público, inicialmente, nas escolas públicas do Distrito Federal. Porém, com apoio de parceiros, foi possível estender as atividades para um projeto especial em unidades de internação do DF, onde as mesmas formações são dirigidas a adolescentes cumprindo medidas socioeducativas.

 

A introdução desses temas ocorre por meio de diversas linguagens que permitem a formação e expressão pela poesia, fotografia, produção audiovisual, entre outras linguagens. Um bom exemplo são trabalhos fotográficos e poéticos encontrados no livro Para além das algemas - Nóis também é humano que foram desenvolvidos por adolescentes de quatro unidades de internação: São Sebastião (UISS), Planaltina (UIP), Recanto das Emas (UNIRE) e Santa Maria (UISM). 

 

Quanto à estrutura pedagógica, três eixos principais servem de base para preparar as ações do projeto: educação popular, arte-comunicação e educomunicação. Os alunos descobrem visões de mundo e uma visão de si em diálogo com o mundo, com o objetivo de modificá-lo e ampliar vozes. “Vamos falar de todos os jeitos, vamos falar com fotografia, com pintura, com filme, com música. Vamos ampliar a possibilidade de falar. Muitos dizem que o projeto dá voz. Na verdade, os meninos têm voz, e nós temos o papel de disseminá-la”, explica Márcia Acioli, assessora do Inesc responsável pela iniciativa.

 

Os cursos e atividades são mediados pelos chamados educomunicadores, que têm como função introduzir os adolescentes às linguagens e aos meios de comunicação para que possam produzir conteúdos, e, principalmente, se reconhecer fora do olhar discriminatório e estigmatizado com que são retratados muitas vezes. “O adolescente passa a enxergar a sua humanidade e potencialidade, se vendo para além do carimbo de jovem em cumprimento de medida socioeducativa”, diz a psicóloga e socioeducadora Thaywane Gomes.

 

A psicóloga comenta os resultados da iniciativa para autoestima dos jovens: “Algumas sementes germinam durante a realização das atividades e outras, posteriormente. Mas, recordo-me, principalmente, de perceberem que são capazes de produzir algo bonito. De dizerem: ‘eu sou poeta’, e mostrarem orgulhosos suas produções.”

 

Webert da Cruz, fotógrafo e educomunicador, foi responsável pelo curso de fotografia e conta: “A fotografia veio como descoberta, como ferramenta educativa, da necessidade entendê-la como possibilidade de emancipação. Eu consegui perceber o poder de ser capaz de se expressar através dela, e de realizar intervenções sociais e culturais”. Segundo ele, as oficinas permitiram trabalhar a sensibilidade dos adolescentes e contação de suas histórias. 

 

Ainda que seja um trabalho essencialmente voltado à educomunicação, para que seja possível a abertura do canal comunicativo entre os membros do projeto e os adolescentes, algumas barreiras tiveram que ser quebradas nesse sentido, devido ao ambiente e ao contexto social em que os alunos do projeto estão inseridos. “Primeiro é o silenciamento, pois eles estão em um ambiente de contenção, mas a contenção não é só do corpo. É contenção da fala e do imaginário também. Se você tem um ambiente estimulante, colorido, bonito, é possível provocar um imaginário com essas características, o que não é o caso”, reflete Márcia. Outros desafios são a quebra dos estigmas e da autodefesa, além da necessidade de abrir espaços e possibilidades para a reinserção social, econômica e familiar dos adolescentes. 

 

» Poemas

 

» 1 milhão de arrependidos

por V.G.

 

“Talvez pensar em ser melhor                                                  

 Não te deixe melhor

 Talvez pensar em ser pior

 Não te deixe pior

 Mas, com certeza

 Pensar significa mudar

 Hoje me peguei pensando

 E resolvi anotar

 

Talvez o perdão ultrapasse

 Qualquer barreira

 Mas ele não leva

 A culpa na rabeira

 

[...] Eu sei, não sou a minha autobiografia 

Pelo que eles têm dito

E pelos atos de um período

Ter que levar esse título de bandido

 

» Enrolado na solidão

Por T. M.

 

A noite está fria

Me enrolo dos pés à cabeça

Lembro da família e começo a chorar

Choro no silêncio

Para os meus parceiros de cela não escutar

Não é por vergonha

Nem por ser pecado

Choro no silêncio para o sofrimento não aumentar

Para quando sair, nunca mais errar”

 

» Como escrever com as mãos para trás?

Por G.R.

 

Escola! Lugar de respeito

Será que está desse jeito?

Hoje em dia crianças sendo revistadas

Dentro das escolas militarizadas

Acham que somos bandidos

Por morar na favela

Fazem procedimentos rigorosos

Iguais aos usados numa cela

» Um pobre vencedor

Por M.D./ S.B./ T.W.

 

Quem nasce pobre morre pobre

Quem dera fosse diferente

Vivemos em meio à desigualdade

E isso mata muita gente

Na favela tem vários guerreiros

Que através de ideias viram mensageiros

Para o nosso povo se conscientizar

E juntos e unidos se libertar

Liberdade aos que estão presos  fisicamente

E mentalmente

Amanhã nóis tá na luta novamente

E que no dia de amanhã a liberdade pertença à gente

A humildade prevalecer e juntos lutar