É difícil escrever sobre o curta-metragem brasiliense Para minha gata Mieze sem dar spoilers. Em pouco mais de 23 minutos de tensão bem construída, a trama vai se revelando aos poucos por meio de elementos sutis, mas que ganham peso no enquadramento, para, no final, desmoronar em cenas impactantes. O clímax é capaz de derrubar as ideias preconcebidas do espectador — tanto as que ele construiu durante o filme quanto as que carregou durante a vida.
Lançado em 2018, o filme se inscreve em um gênero que nem o próprio diretor, Wesley Gondim, sabia que existia: o horror queer. “Sempre quis fazer um filme do gênero suspense e horror. As questões de sexualidade, homofobia, sempre tratei nos outros filmes (de outros gêneros), e tive a ideia de aproveitar: juntar uma coisa que eu sempre quis fazer, um gênero que admiro, com uma coisa que sempre me deixou inquietado, a questão da homossexualidade”, conta o diretor.
Na história, o personagem de João Campos, Francisco é dono de uma pet shop em Brasília e amante de gatos, alguns de rua, que ele alimenta, mas, principalmente, de sua gatinha Mieze (Lê-se “mitze”). Ele é perseguido por homofóbicos que picham seu estabelecimento com frases ofensivas, destroem o local e sequestram a gatinha dele. A premissa, o roteiro, a fotografia e o elenco vêm arrebatando prêmios no Brasil e no exterior — 13, no total, incluindo um troféu Candango.
Coragem
Wesley é apaixonado pelos filmes de horror, terror e suspense. Aliás, este é o gênero de filmes favorito dele, e aquele com o qual ele realmente sempre quis trabalhar. No entanto, até 2018, todas suas produções se enveredaram por outros caminhos. O que lhe faltava era coragem. “Há muito preconceito com o gênero. Eu tinha esse roteiro guardado, mas nunca tive coragem de mandar para o FAC (Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal). Achei que eles simplesmente iam descartar”.
Em 2018, a eminência de perder um edital em aberto forneceu o empurrão necessário. “Resolvi apostar. Não quis perder a oportunidade do edital e mandei (o roteiro)”. O projeto passou, para surpresa de Wesley. “Falta de consciência minha”. Superado o medo do preconceito estético, restava filmar o filme que mistura medo, preconceito e coragem em uma trama envolta em mistério. O projeto foi finalizado em menos de um ano.
Mais surpreso ainda o cineasta ficou quando, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o filme ganhou o prêmio de melhor roteiro. Daí em diante, a produção saiu passando o rodo nos festivais especializados, sempre como melhor curta ou roteiro, incluindo dois internacionais: o 4° Horror Haus Film Festival, em Los Angeles, e o 9º Nola Horror Film Fest, em Nova Orleans. Este último, de melhor ator para João Campos, que também interpretou o jornalista Élio na novela A lei do amor.
A trama repleta de reviravoltas, como no filme, reservou outra surpresa ao diretor, a descoberta de que existe uma cena vigorosa do chamado horror queer, que tem o universo LGBTQI+ como temática, com inúmeras produções e até festivais especializados. “Já tá virando um subgênero.” Em março, o filme participa de um último festival, na Alemanha, e depois será disponibilizado para o público na plataforma de streaming Darkflix, especializada no segmento.
Para minha gatinha
Agora que se descobriu como diretor de horror, e que seu gênero de predileção pode ser bem aceito, Wesley pretende alçar voos mais ambiciosos. Depois de lançar o longa documental que está finalizando, que trata de sua temática recorrente, pretende lançar um longa-metragem de horror. “Eu vi que o gênero que gosto é algo que vou levar a sério, sem medo de preconceito”, afirma.
Wesley se identifica com a letra G da sigla LGBTQIA (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e outros), e essta vivência, que marca sua produção, foi o ponto de partida para o roteiro. Certa vez, no interior de São Paulo, se deparou com uma faixa de apoio à diversidade sexual toda pichada, em vermelho, e a cena ficou na cabeça. Mas a maior inspiração do filme foi uma gatinha que ele teve, e que também se chamava Mieze, palavra em alemão que quer dizer simplesmente “gatinha”: “O filme é uma homenagem à minha gata, que morreu.”
*Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco