Uma manobra de política interna da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que vota vencedores do Oscar, trouxe impacto imediato nos resultados da entrega das estatuetas para os melhores do cinema, como indicou a consagração do filme sul-coreano Parasita. Dada a chuva de críticas a aspectos da falta de representatividade, e depois do limpa feito junto a empresários protagonistas de casos de assédio sexual, o novo foco foi aumentar diversidade na indústria, e que, no Oscar, alcança a casa dos 8.000 integrantes com direito a voto. O avanço trouxe incremento de representatividade. Em 2019, 400 mulheres foram convidadas para a nova composição, e, em 2018, 840 membros refletiram o dobro de negros no quadro da Academia, e uma nova disparada no número de mulheres, com a inclusão de votantes como as diretoras brasileiras Petra Costa e a brasiliense Maria Augusta Ramos.
Na onda de uma nova perspectiva de globalização, o Oscar (antes, reservado à categoria de produção estrangeira ou ainda tachada de filmes de língua não-inglesa), agora, foi renomeado e chegou ao patamar de filme internacional. Curiosamente, o longa Parasita (que rendeu também os prêmios de melhor direção e de roteiro original para Bong Joon), que trata de contraste econômico e duelo de classes sociais, desembocou na premiação, depois de ensaios ousados da Academia em termos de premiações. Desde o longa Babel (2006), os votantes demonstravam maior boa vontade com os cineastas estrangeiros que futuramente obtiveram prêmios. Na lista, Alejandro Gonzáles Iñárritu, Alfonso Cuarón (que comandou o mexicano Roma) e Guillermo del Toro.
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Mas, a consagração de Bong Joon Ho traz patente o acesso das minorias a uma fatia mais polpuda do prêmio. Traça quase uma metáfora com o conteúdo de seu filme — tentáculos sedentos (e desprivilegiados) alcançam o Santo Graal. Na sexta oportunidade, em 92 anos de Oscar, uma produção simultaneamente indicada a melhor filme internacional e melhor longa-metragem carregou os dois Oscar. No todo, apenas 11 filmes “de fora” (com legendas) chegaram perto de cruzar a fita de vitória de melhor filme, e alguns assinados por artistas consagrados como Ingmar Bergman (Gritos e sussurros), Clint Eastwood (Cartas de Iwo Jima) e Costa-Gavras (Z).
Banindo a alvura hegemônica atrelada ao Oscar, o diretor Bong Joon Ho, no discurso de agradecimento, disse ter apostado na ideia de que “o mais pessoal é o mais criativo” — algo como cantar a sua aldeia. O ensinamento veio do gigante Martin Scorsese, que viu as 10 indicações de O irlandês naufragarem. O apoio de Quentin Tarantino (diretor do concorrente Era uma vez em... Hollywood) também foi ressaltado por Joon Ho, lembrando a época em que não gozava de tanta popularidade nos Estados Unidos, mas era reconhecido por Tarantino.
De certa maneira, ainda que a indústria norte-americana tenha registrado gigantesca arrecadação de US$ 1,07 bilhão para o hit Coringa, as bilheterias acusam o esgotamento na lógica do pagamento de ingressos. Parasita teve bilheteria de US$ 165 milhões (sendo que US$ 130 milhões vieram longe do território americano). A modesta renda foi próxima à de Adoráveis mulheres (US$ 177 milhões) e ao dobro dos ganhos de Jojo Rabbit. Coletando US$ 287 milhões, o filme de guerra 1917 (virtual vencedor em todos os bolões) não engordou status para o filme de estúdio.
Posto à prova o sistema da Netflix, na artimanha do streaming que emplacou 24 indicações, surtiu apenas dois prêmios. Não adiantou nem a renda de O irlandês (estimada em US$ 961 milhões) e o pedigree do cinema de Scorsese. Num tubo de ensaio, a vitória de Parasita — que invadiu a festa, depois de inúmeras conquistas de prêmios, entre os quais a Palma de Ouro em Cannes 2019 — pareceu ainda um último recurso para frear o avanço do streaming, num apego ao modelo que emplacou reconhecimento para Ford vs. Ferrari (com renda de US$ 222 milhões) e Era uma vez em... Hollywood (que arrecadou US$ 374 milhões).
Bilheteria dos últimos
vencedores do Oscar
Green book, o guia (2019) US$ 329 milhões
A forma da água (2018) US$ 195 milhões
Moonlight (2017) US$ 65 milhões
Spotlight (2016) US$ 99 milhões
Birdman (2015) US$ 103 milhões
12 anos de escravidão (2014) US$ 187 milhões
Argo (2013) US$ 232 milhões
O artista (2012) US$ 133 milhões
O discurso do rei (2011) US$ 427 milhões
Guerra ao terror (2010) US$ 49 milhões
Debate social na telona
Com a ressalva da falta de indicações para os atores do grande vencedor de trama asiática Parasita (a exemplo da mesma desconsideração presente, no passado, junto a O último imperador, Quem quer ser um milionário? e O tigre e o dragão), o longa realmente fincou novidade no plano do Oscar. Todos os casos anteriores de cinco filmes estrangeiros indicados em ambas as categorias de melhor filme e produção internacional (Amor, Roma, O tigre e o dragão, Z e A vida é bela) resultaram em vitória relativa — sem o prêmio central.
Inflamando discussões sociais, o cinema de Bong Joon Ho segue a tradição de outro sul-coreano celebrado por Quentin Tarantino: Chan-wook Park, do premiado Old Boy (Cannes, em 2004, tendo Tarantino por presidente do júri). Violência e vingança, na cartilha de Park, fazem parte das tramas de Bong Joon Ho, à frente de filmes como Expresso do amanhã (2013), Mother: a busca pela verdade (2009) e Cão que ladra não morde (2000).
Sucessos
Em 26 anos de carreira, o diretor coleciona êxitos. Confira:
Okja (2017)
Os meandros de uma revolução na alimentação em escala global dão o mote da trama que cerca a vida da delicada Okja (de uma espécie geneticamente modificada). A trajetória do improvável animal de estimação concorreu à Palma de Ouro (Festival de Cannes).
O hospedeiro (2006)
Monstro gigante, às margens do rio Han, coloca em risco a vida de uma menina. O resgate familiar envolve todos. Considerado um dos 10 melhores filmes do ano, pela influente Cahiers du Cinéma.
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