A história por trás de McMillions - a nova série documental da HBO que estreia nesta segunda-feira, 10, no canal e no streaming - é intricada e precisa de um contexto para espectadores não americanos.
É o seguinte: entre os anos 1980 e o inÃcio dos 2000, uma das ações de marketing mais conhecidas do McDonald's nos Estados Unidos era o seu jogo de Monopoly (Banco Imobiliário). Como na experiência de tabuleiro, o objetivo do jogo era acumular propriedades e riquezas, que podiam ser trocadas por prêmios - de uma porção de batata frita até US$ 1 milhão. As peças eram coladas nas embalagens dos produtos vendidos nas lojas e também em outros suportes, como revistas.
O problema é que por mais de 10 anos o esquema foi manipulado: alguém surrupiava as peças vencedoras e distribuÃa para membros da famÃlia, amigos e eventualmente sócios no "esquema". US$ 24 milhões foram "desviados" dos arcos dourados do McDonald's. A série é produzida por Mark Wahlberg e dirigida por James Lee Hernandez e Brian Lazarte, e teve seus primeiros episódios exibidos no Festival de Cinema de Sundance, no final de janeiro.
"Nenhum tipo de instituição jamais tinha oferecido isso: prêmios de US$ 1 milhão apenas por comprar uma batata frita ou um refrigerante por 99 cents", explicou Lazarte, americano de origem peruana, durante Sundance, em entrevista ao Estado. "Era um fenômeno cultural. As pessoas viajavam para McDonald's em diferentes cidades, fazendo 'road trips' para recolher as peças necessárias."
Hernandez conta que o jogo fez parte da sua infância - a ponto de seu primeiro trabalho, aos 16 anos, ter sido em um dos restaurantes da rede. "Quando soubemos que existia uma fraude, quisemos simplesmente mergulhar de cabeça no assunto."
O documentário conta: em 2000, o FBI recebeu uma pista anônima de que um tal de "Tio Jerry" estava roubando, internamente, as peças do jogo e as vendendo, comprometendo a campanha nacional do McDonald's. Uma investigação foi lançada - e entre uma operação secreta com agentes disfarçados e uma nova campanha de marketing, desta vez acompanhada pelas autoridades para pegar os salafrários no flagra - e o julgamento para o caso começou no dia 10 de setembro de 2001. Pois é.
Os acontecimentos em seguida também já se concluÃram, mas esse texto vai evitar spoilers para o espectador pouco familiarizado com a história.
Hernandez diz que estava navegando pelo Reddit em 2012, pouco antes de dormir, quando viu alguém comentando que nunca havia conhecido uma pessoa sequer que havia vencido o jogo do McDonald's - o que colocou a pulga atrás da sua orelha. Ele encontrou um artigo de um pequeno jornal de Jacksonville, Flórida, onde a investigação teve lugar, mas era isso. Ele então começou uma investigação informal, por conta própria, e com um pedido de informações ao governo americano, conseguiu acesso ao processo - aos documentos, registros do FBI, da promotoria, etc. O diretor entrou em contato com os agentes, e a maioria ficou entusiasmada em compartilhar a história - que tem lados mirabolantes, explorados à exaustão nos seis episódios de McMillions.
Um achado importante foi um homem chamado Doug Matthews - um dos agentes do FBI que participou da investigação - carismático e bonachão.
Os dois diretores concordam que a história pode parecer inocente. Por que investigar e dedicar tanto tempo e tanto dinheiro numa produção sobre o assunto? "Bom, primeiro porque é uma história divertida, e diz muito respeito à nossa infância", diz Lazarte. "Mas acho que pode representar também um marco da última década 'da inocência' da América, justamente por ter acontecido logo antes do 11 de setembro. Os americanos viviam numa bolha que foi rompida pelos ataques terroristas."
James Lee Hernandez também comenta que foi interessante explorar os dilemas morais de muitas das pessoas envolvidas no esquema. "Existia uma pergunta: 'Será que eu posso simplesmente levar essa grana, porque não vai machucar ninguém? É um crime sem vÃtimas, é um apenas um jogo...'". Mesmo assim, a série evidencia que mesmo pequenas ações fora da lei podem ter consequências complicadas.