Desde Guerra ao terror, filme que rendeu o primeiro Oscar a uma diretora (Kathryn Bigelow), há uma década, e que teve como concorrente o cult Bastardos inglórios, um filme de conteúdo bélico não conquista o Oscar central. Na noite de amanhã, com a entrega do 92º Oscar, há chance para a mudança de cenário, já que 1917 e Jojo Rabbit disputam na categoria central. Os temas de ataques, estratégias e afins — com traumas resultantes do palco beligerante — estão em alta, nos últimos anos, entre os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, pelo que se percebe na lista de indicados. Há dois anos, Dunkirk e O destino de uma nação estiveram na lista dos finalistas.
Com a larga experiência de quem chega aos 90 anos, e monumento do cinema americano que é, o cineasta Clint Eastwood emplacou seis indicações ao Oscar, com Sniper americano (2015), candidato a melhor filme, e outras seis, há 13 anos, com os dramas complementares Cartas de Iwo Jima e A conquista da honra.
Ainda rendido às imagens de ação e lutas efetivas — há mais de 80 anos — com a indicação ao Oscar de A grande ilusão (clássico absoluto de Jean Renoir), o prêmio tem afunilado interesse por obras-primas que revelam abalados estados emocionais de personagens resgatados da vivência em meio a bombas, tanques e granadas. Com o mesmo clima imersivo de 1917, Terrence Malick (o mesmo de A árvore da vida) talhou Além da linha vermelha (com Sean Penn, George Clooney e Jim Caviezel), a partir de planos meditativos que aprofundam a devastação da natureza na batalha de Guadacanal (Segunda Guerra). O feito resultou em sete indicações para o prêmio.
Seja pela perspectiva marinha — com filmes como O canhoneiro do Yang-Tsé (1966), indicado a nove Oscar, e dobradinhas como Nossos mortos serão vingados (1942) e Nosso barco, nossa alma (1942), ambos candidatos a melhor filme —, seja pelas batalhas no ar (vistas em Almas em chamas, estrelado por Gregory Peck), ou ainda no plano terrestre minado por bombas (com os recentes Até o último homem, de Mel Gibson, e A hora mais escura (novamente sob comando de Kathryn Bigelow), tramas de guerra e o Oscar parecem jogar do mesmo lado, na celebração da narrativa de cinema. Confira alguns pontos altos deste casamento.
Sem retorno
O franco atirador Platoon
• A música chamada Cavatina resume todo o desgaste presenciado em O franco atirador (melhor filme, em 1979), reflexo dos traumas da Guerra do Vietnã, igualmente apresentado em Amargo regresso. No título vencedor há o esfacelamento de um grupo de metalúrgicos que partem para o combate. É inesquecível a cena da roleta-russa. O conflito do Vietnã ainda rendeu outro clássico: Platoon (1986). Vencedor pelo melhor filme, o premiado diretor Oliver Stone traz a experiência pessoal, ao mostrar os horrores. Também num caminho sem volta, o protagonista de O pianista (2002), sob premiada direção de Roman Polanski, é o músico Szpilman (Adrien Brody, melhor ator).
Retrato fiel
Patton, rebelde ou herói? (1970)
• Entre 11 indicações para Sargento York (1941), ambientado na Primeira Guerra, Gary Cooper faturou Oscar, ao personificar o condecorado militar Alvin York, que, em 1918, em um dia, dizimou 20 alemães. Outra grande cinebiografia que obteve 10 indicações para o Oscar cercou a controversa imagem do general George S. Patton (o premiado George C. Scott, na foto, que recusou a estatueta). Com o selo de aprovação de Richard Nixon, verdadeiro espectador apaixonado da fita assinada por Franklin J. Schaffner, a produção demarca vitórias e retaliações para um estrategista. Espanha, Marrocos, Grécia e Inglaterra serviram de locações.
Os pioneiros
Asas Sem novidade no front
• A primeira e a terceira festa do Oscar trouxeram registros de guerra, por grandes vencedores. Único premiado da fase do cinema mudo, Asas (1927) teve o respaldo de US$ 20 milhões de orçamento. William Wellman dirigiu a fita que tem breves momentos em cores. Na festa do Oscar de 1930, Sem novidade no front revelava a falta de glórias para alemães arregimentados para combates. Foi realizado por Lewis Milestone, a partir de adaptação de texto de Erich Maria Remarque. A mensagem de desilusão com a guerra teria irritado Joseph Goebbels.
De planejamentos e explosões
A ponte do rio Kwai
• Na cerimônia do Oscar de 1958, muito se ouviu A ponte do rio Kwai, de David Lean, que venceu sete estatuetas. Brutalidade e a falta de razão dominam o embate de subordinação de oficiais com soberba e perspectivas diversas, na Birmânia dos anos de 1940. Alec Guinnes é o militar britânico em conflito com o comandante japonês interpretado por Sessue Hayakawa. Outros indicados ao Oscar que aprofundaram artimanhas mentais de combatentes foram O jogo da imitação (que, em 2015, disputou oito Oscar) e Os canhões de Navarone (1961), ambientado em ilha turca na qual, em 1943, aliados buscam inviabilizar armamentos dispostos por alemães.
Apreço especial
O resgate do soldado Ryan
• Ninguém se esquece do longa A lista de Schindler, com o qual Steven Spielberg obteve 12 indicações ao Oscar, tendo vencido sete. Católico, o empresário alemão interpretado por Liam Neeson salvou mais de mil judeus. Com elenco estelar, o filme O mais longo dos dias (1962) trazia enredo disposto no 6 de junho de 1944, na Normandia marcada pelo Dia D — registrado também em O resgate do soldado Ryan (1998), do mesmo Spielberg. Curiosamente, o mesmo diretor de Cavalo de Guerra (alinhado para seis Oscar, em 2012) acusou a inspiração noutro filme: O preço da glória (1949), outro longa admirado pela Academia, que lhe deu seis indicações.
Impactante perfeccionismo na telona
(Outros indicados e vencedores do Oscar)
• A escolha de Sofia (1982)
• Pasqualino sete belezas (1975)
• A pequena loja da rua principal (1965)
• O filho de Saul (2015)
• M.A.S.H. (1970)
• Apocalypse now (1979)
• A vida é bela (1997