A trajetória de Mayrane Oliveira Bucar até se tornar a May Bucar de grafites espalhados pela cidade passa por um caminho cheio de obstáculos. Na adolescência, quando se preparava para entrar na universidade, ouviu de familiares que não seria uma boa ideia estudar artes. Esse era um curso, acreditava a família, para gente com dinheiro, que pudesse investir. Moradora de Valparaíso e de classe média baixa, Mayrane, diziam os parentes, não teria como se sustentar. Ela foi então estudar literatura, que não concluiu, e design gráfico, que também não concluiu. Todos os caminhos a levavam de volta à pintura que tanto amava.
Hoje, as carinhas coloridas e geométricas de May Bucar, como passou a assinar, se espalham pela cidade. Divulgada no Instagram e na página Rabisco, no Facebook, a obra da artista se tornou popular, mas isso é fruto de muito esforço e amor à arte. Como não conseguiu se formar em nenhum dos cursos superiores iniciados, ela passou a buscar empregos formais para que pudesse alimentar a produção. Trabalhou como secretária, em restaurantes e em empresas de limpeza. E passou a se embrenhar em tudo quanto é concurso.
Um dia, diante de uma oportunidade de um concurso de grafite, May decidiu que experimentaria a técnica. Nunca havia utilizado spray na vida, nem feito grafite. Pediu a um amigo que ensinasse a usar as latinhas de tinta e acabou mergulhando nesse mundo. Hoje, suas pinturas estampam muros no Parque da Cidade e em Samambaia em composições muito particulares e diferentes para o mundo do grafite.
A cidade e suas formas acabaram por se tornar uma influência. “Esses dias, me consideraram uma grafiteira cubista com cores dos anos 1960”, conta. “Achei interessante porque, para mim, minhas cores eram dos anos 1980.” O cubismo é uma das paixões da artista que, recentemente, em oficinas oferecidas no Céu das Artes de Valparaíso, privilegiou o movimento que deu vida a Pablo Picasso. A geometria é parte fundamental do trabalho de May.
Ela acredita que a ligação com o design gráfico, curso que abandonou no último ano, e com a arte de Athos Bulcão, que aprecia desde pequena, tem papel importante. “Quando comecei a fazer grafite, comecei a ficar com a neura de preencher os espaços. Normalmente, os espaços de arquitetura são milimetricamente certinhos e o design também tem isso, de ser limpo, ocupando cada cantinho. Acho que fiquei com essa coisa forte da geometria e queria fazer um desenho perfeito em sentido de espaço”, avalia.
De Athos Bulcão, ela trouxe os padrões que costuma trabalhar nas pinturas e nos grafites. “Gostava muito de Athos Bulcão e pensei: ‘vou começar a fazer padrões de geometria’”, conta. “Meus trabalhos têm um fundo de padrão e, por cima, a arte, mas todos têm geometria. Acho que fui muito influenciada pela vontade de organizar o espaço.”
Agora, May investe na exploração dos grafites realizados com tinta, rolo e pincel. Ela gosta dos grandes formatos tanto quanto da pintura em tela, mas tem problemas de saúde cada vez que utiliza as latinhas de spray, cujo conteúdo tóxico acaba por debilitar a artista. Aos 40 anos, ela também se prepara para retomar o sonho podado na adolescência. “Estou estudando para entrar para artes plásticas na UnB”, avisa. “E vou conseguir.”