Diversão e Arte

Livro revela crises, intrigas e segredos do primeiro ano de Bolsonaro

A obra 'Tormenta', da jornalista Thaís Oyama, faz panorama do primeiro ano de governo do atual presidente

Durante 27 anos de mandato como deputado, Jair Bolsonaro só  aprovou dois projetos de lei e conseguiu três dos 512 votos quando se candidatou a presidente da Câmara em 2017. Em uma primeira mirada, nada indicava que ele sairia vencedor da mais polarizada eleição para a Presidência da República. Mas, com o instinto de repórter, Thaís Oyama percebeu que as redes sociais estavam mudando a maneira de fazer política no país e que Bolsonaro tinha chances reais de ganhar a eleição.

Por isso, em outubro de 2018, ela decidiu escrever um livro sobre Bolsonaro. As crises, os segredos, as intrigas, as paranoias, as ideias fixas, a relação com o STF, a participação dos filhos nas questões republicanas, o papel da redes sociais, os gurus do ódio, as ameaças de golpe, as alianças e os recuos com os militares.

Os temas relevantes não escapam de Tormenta (Ed. Cia das Letras), livro da jornalista Thaís Oyama sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro. A narrativa é resultado de um paciente trabalho de apuração dos bastidores e compõe painel revelador sobre um momento de grandes transformações na história política do país.

Em vídeo transmitido no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro criticou Thaís: “A nossa imprensa tem medo da verdade. Deturpam o tempo todo. Mentem descaradamente. Trabalham contra a democracia, como o livro dessa japonesa, que eu não sei o que faz no Brasil”. Talvez Bolsonaro tenha contribuído, involuntariamente, para a divulgação do livro.

Thaís é brasileira, neta de japoneses e não considera que o jornalismo esteja em extinção, como insinuou o presidente em outro pronunciamento: “E tenho certeza de também que o jornalismo profissional irá durar bem mais que o governo Bolsonaro”. Nesta entrevista ao Correio, Thaís fala sobre alguns dos principais temas abordados
pelo livro.



Como explica o sucesso de Bolsonaro e de outros parlamentares que nunca se destacaram antes  na vida política, com a internet?

Bolsonaro está onde sempre esteve. Pensando do mesmo jeito e falando as mesmas coisas, só que agora na condição de presidente da República e não mais de um deputado da cota folclórica da Câmara. O que penso que ocorreu foi que as quase duas décadas de governo de esquerda abriram alas para o discurso da direita. O fim da era petista pedia um capítulo novo, e o bolsonarismo — com o discurso de endurecimento do combate à criminalidade, de intolerância à corrupção e contrário à “velha política”—foi uma resposta a essa demanda. Bolsonaro viu passar o cavalo encilhado e montou nele na hora certa. 

Que temas de Bolsonaro fazem mais sucesso e angaria seguidores?

A agência Bites fez um levantamento com exclusividade para o livro mostrando que os momentos em que Bolsonaro mais amplia o seu número de seguidores têm a ver com três tipos de posts. Aqueles em que ele fala mal da imprensa, em que fala mal da esquerda e em que fala bem do ministro Sergio Moro. Não por acaso, sempre que precisa, o presidente lança mão de um desses recursos. Também fazem sucesso os posts em que ele anuncia ou defende medidas que têm relação direta com o cotidiano das pessoas, como a abolição dos radares nas estradas, o fim do horário de verão e a diminuição de impostos para compras de celulares (coisa que nunca foi colocada em prática, mas que ele chegou a anunciar, com grande sucesso nas redes). Bolsonaro é, como já disse o Hélio Schwartsman, colunista da Folha de S. Paulo, o “presidente das pequenas coisas”. Gostei muito dessa expressão e tomei emprestado como título de um dos capítulos.


Em que o ministro Sergio Moro cumpriu o papel de salvaguarda de que o governo Bolsonaro não ultrapassaria a linha da inconstitucionalidade no primeiro ano de governo?

Penso que o ministro tem conseguido, com muito esforço, manter essa postura. Até onde consegui apurar, ele não se dobrou a nenhum pedido de membros do governo para que ultrapassasse essa linha. No livro, relato ao menos um caso em que o presidente ficou claramente insatisfeito com o fato de o ministro se recusar a agir como advogado do governo. Mas as coisas parecem que estão ficando cada vez mais difíceis para Moro. Minha impressão é de que em breve ele não terá outra saída a não ser pedir o chapéu. Neste caso, Bolsonaro perderá mais do que Moro.

Na vida política não existem adversários, existem inimigos. Como o presidente Bolsonaro exerce essa convicção? 

O presidente, como descreveu uma pessoa próxima, tem raciocínio binário. Você está com ele ou contra ele, não existe meio- termo, não existe concordância parcial nem meia discordância. Quem não fecha 100% com suas escolhas e convicções é mais que um adversário, é um inimigo. O exercício do poder mostrou a Bolsonaro que essa inflexibilidade pode inviabilizar seu governo. Vejo que essa constatação causa uma grande angústia para o presidente. Na cabeça dele, ele se encontra emparedado entre as forças da “velha política” e suas convicções, que a seu ver, são as únicas corretas.


No livro, você afirma que, a partir da crise de maio, houve a ameaça de uma intervenção militar. Até que ponto é verdadeira a versão de que o ministro Dias Tóffoli impediu uma intervenção militar? 

Na verdade, são duas coisas diferentes. O que eu constatei foi que, no auge da crise, houve gente dentro do Palácio do Planalto, incluindo um general, que defendeu abertamente o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Outra questão paralela foi a atuação do ministro Dias Toffoli nessa crise de maio. Mostro no livro que ele disseminou a versão de que teria impedido uma intervenção militar cujo articulador seria o vice-presidente, Hamilton Mourão. Investi muito nessa apuração e não obtive um único indício de que isso de fato ocorreu. Não sei que motivos levaram o presidente do Supremo a dizer o que disse, é uma questão a ser perguntada a ele — eu tentei, mas ele não quis responder. Sobre a relação de Bolsonaro com os militares, ela esfriou bastante em relação ao início do governo, quando os generais do Planalto eram apontados como seus mais influentes conselheiros. Sobre o general Hamilton Mourão, a relação de Bolsonaro com ele sempre foi da mais irrestrita desconfiança. E continua a ser. O presidente desconfia que o vice almejou tomar seu lugar e até que o espiona.

A que projeto corresponde ser contra a educação, a ciência, o meio ambiente e a cultura?

No caso do presidente,  há pelo menos três décadas ele tem convicções públicas e notórias sobre temas dessas três áreas. E como já disse, ele não recuou um centímetro delas, mesmo depois de passar de deputado a presidente. O que houve de mais nocivo, na minha opinião, é que ele se cercou e deu poder a uma tropa que cultiva o fanatismo e o obscurantismo e que encontrou neste governo um palco para a exibição de suas ideias obsessivas — o que inclui a demonização de Paulo Freire, de todas as ONGs e das políticas identitárias.

Como recebeu as críticas do presidente Bolsonaro a seu livro?

Em relação ao comentário do presidente, aliás, equivocado, sobre a minha nacionalidade — sou brasileira, neta de imigrantes japoneses— sei que isso ofendeu alguns nikkeys e fico triste por isso. Mas no que diz respeito a mim, posso dizer que fiquei até satisfeita, já que se a ideia do presidente era desqualificar o livro, o fato de ele ter recorrido a um argumento dessa natureza, comprova que o meu trabalho está correto e que ele não encontrou nenhum bom argumento para criticá-lo.


Você acredita que o jornalismo tem ainda papel importante a desempenhar na democracia brasileira ou o jornalista é uma espécie em extinção, como disse o presidente Bolsonaro?

Não tenho dúvidas de que o jornalismo profissional é uma ferramenta indispensável para vigiar e apontar os desmandos das administrações públicas e, portanto, tem um papel fundamental na manutenção da democracia. E tenho certeza também de que o jornalismo profissional irá durar bem mais que o governo Bolsonaro.

Tormenta — O governo Bolsonaro: Crises, intrigas e segredos
De Thaís Oyama/Ed. Cia das. Letras. 267 páginas