Correio Braziliense
postado em 30/01/2020 06:30
A floresta e seus habitantes são alvo de uma noite de debates que vão ocupar centros culturais de 180 cidades em 75 países nos cinco continentes. Organizada pela Embaixada da França e pelo Instituto Francês no mundo inteiro, simultaneamente, a Noite das ideias mobiliza cientistas e artistas em torno de um tema com mesas de debate, exposições, apresentações musicais e exibição de filmes. Este ano, sintonizado com a atualidade e as discussões que mobilizaram o mundo, o Instituto Francês escolheu como tema Ser vivo e floresta, com desdobramentos que levam à reflexão sobre os modos de viver e de se relacionar com a natureza. Nesta quinta (30/01), entre 18h e 00h, a Aliança Francesa recebe uma programação com três mesas redondas, exibição de filmes e apresentação de artistas que vão refletir sobre dois eixos: a floresta como ser vivo e como local de seres vivos. “A ideia é fazer um debate com diferentes pontos de vista sobre assuntos da atualidade a partir de descobertas científicas”, explica Vincent Zonca, adido para o livro e debate de ideias da Embaixada da França e responsável pela organização da Noite das ideias no Brasil. “É uma noite de popularização científica para tornar acessíveis a um público mais vasto as últimas descobertas científicas sobre um certo tema.” Além de Brasília, a Noite das ideias ocorre também em São Paulo e no Rio de Janeiro.
A compositora Isabelle Sabrié, francesa radicada em Manaus há 12 anos, é a convidada da noite para a abertura da programação com um pequeno concerto no qual propõe uma escuta dos sons da floresta. Em seguida, a poeta Ana Rossi, o fotógrafo Ricardo Stuckert e o ativista Tashka Yawanawá, chefe do povo indígena Yawanawá no Acre, dividem uma mesa para refletir sobre o tema Ver a floresta. Stuckert está em cartaz na Aliança Francesa com a exposição Índios brasileiros, um registro de mais de 12 etnias realizado ao longo de décadas, e Ana Rossi é professora do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da língua guarani. Ela vai ler um poema da cosmogonia guarani sobre a origem do mundo.
A obra foi resgatada pelo antropólogo austríaco Leon Cadogan no final dos anos 1940 e traduzida para o português e para o francês. “Esse poema tem a ver com essa questão do mundo das florestas e dos deuses”, explica Ana. “Cosmogonia significa visão de mundo e fala da criação do mundo a partir da visão dos guarani. Cada povo tem uma maneira de explicar como o mundo começou a existir e esse poema resgata isso, fala do deus inicial que foi criando as coisas.”
O registro das línguas e gramáticas dos povos ameríndios é uma preocupação antiga, datada de mais de cinco séculos, quanto jesuítas e franciscanos vieram para as então colônias em missões religiosas. No entanto, o resgate da literatura e da poesia é mais recente. “Agora estamos mais focados na literatura e na poesia, entendendo essa parte da cultura, porque durante muitos séculos o foco foi o registro da língua e da gramática”, conta Ana, ao lembrar que hoje há, pelo menos, 200 línguas indígenas faladas no Brasil.
Às 20h50, antes da segunda mesa, será a vez de apresentar o curta Plantae, animação criada pelo diretor Guilherme Gehr em 2017. Na tela, um madeireiro se prepara para cortar uma árvore de grande porte. Quando consegue efetivar o corte, o enorme tronco alça voo e desaparece. A pesquisa de Gehr para a animação teve como base a floresta amazônica e a intenção foi fazer algo poético para mostrar como a destruição não leva apenas à perda das árvores, mas de todo um ecossistema que delas se alimenta. “A grande metáfora é que, uma vez que você desmata, você perde algo para sempre: é irreparável a perda gerada pelo desmatamento massivo que a gente vê no mundo inteiro”, explica. Na animação, a árvore de grande porte abriga também centenas de outras espécies que nela sobrevivem. Ao desaparecer, ela leva também um micromundo essencial para a vida do bioma.
Gehr acredita que a animação pode atrair tanto crianças quanto adultos, mas que é preciso estar de “coração aberto” para mergulhar na poesia sugerida pelas imagens. “Acho que o filme é atrativo e sensibiliza porque tem uma pegada sentimental. Meu maior objetivo foi fazer um filme sensível, que transmitisse com detalhes coisas ocultas que a gente normalmente não vê porque, quando percebe, já está perdendo”, garante o diretor, que ficou surpreso com a percepção “espiritual” do público ao exibir a animação no Japão.
A segunda mesa da Noite das ideias será centrada no tema Proteger a floresta e tem participação de Daniela Martins, representante do Cities4forest, de Suzana Padua, presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), e Yuri Botelho Salmona, diretor executivo do Instituto Cerrados. Antes da última mesa, Viver a floresta, haverá ainda apresentação de trecho do documentário Curupira, bicho do mato, de Félix Blume. O líder indígena Álvaro Tukano e o etnobotanista francês Guillaume Odonne dividem a última mesa com discussão sobre a floresta como espaço de vida de várias espécies.
Apesar de já estar na quinta edição, esta é a primeira vez que a Noite das ideias é realizada também no Brasil. A escolha da floresta como tema foi uma consequência natural das preocupações que pautaram a agenda internacional no último ano. Um contexto no qual as mudanças climáticas se tornaram urgentes — tanto pelos efeitos quanto pela negação que tem levado governos a tomar decisões no sentido contrário à redução do impacto gerado pelo aquecimento do planeta — levou o Instituto francês à escolha do tema.
Ao misturar artistas e cientistas, o evento pretende facilitar o acesso de leigos à produção científica mais recente sobre a questão. “O tema da floresta é, de fato, egresso dessa temática internacional que encontra eco no contexto global, então queremos também pensar sobre o aquecimento climático, a diversidade e o viver nessas condições. É uma questão da atualidade que nos dá a chance de refletir com especialistas sobre esse tema”, explica Vincent Zonca.
Noite das ideias
Nesta quinta (30/01), das 18h às 00h, na Aliança Francesa. Entrada gratuita
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