Mais do que uma influência, a música eletrônica se misturou de vez ao funk. Depois do sucesso da batida em 150BPM, divulgada por nomes como Kevin O Chris e Rennan da Penha, chegou a vez do rave funk ou funk rave. Um som completamente diferente e agressivo, que começa, normalmente, com um hit de eletrônico e, na hora da virada, o público é surpreendido por uma batida de funk metalizada.
Entre os principais expoentes do estilo, se declarando inclusive como criador da tendência, está o jovem de 18 anos, completados hoje, Gabriel Henrique Nogueira Goulart Costa, conhecido como Dj GBR. O funkeiro esteve, pela primeira vez, em Brasília no último domingo para participar do Festival Viva.
Nascido em São José dos Campos, interior de São Paulo, o DJ GBR iniciou a carreira aos 11 anos vendo vídeos de funk na internet. “O rave funk é um novo estilo do funk, criado por mim, que envolve a mistura de música eletrônica com funk. A música eletrônica acrescenta uma certa agressividade. Ela conta com um bass mais forte. Achei interessante e misturei para ver no que dava”, conta em entrevista ao Correio.
Autor de músicas como Rave da putaria e Rave Automotiva, além do Projeto rave dos fluxos, o jovem conta que, desde pequeno, escuta muito funk. “Meu irmão colocava e, a gente escutava o dia todo. Quando quis me tornar DJ, a única coisa que eu tocava era funk”, acrescenta. Hoje, o DJ GBR soma 97 mil seguidores no Instagram e está com a agenda cheia de shows em diversas cidades brasileiras.
Entre as inspirações para criar, ele destaca o veterano Dennis DJ. “Do lado do funk, tem ainda o DJ Perera e o DJ Jorgin. Do lado eletrônico, as principais referências são KVSH, Vintage e Illusionize”, completa. Fora do trabalho, Gabriel tenta fugir um pouco da rotina e confessa que ouve bastante trap. Para o futuro, o funkeiro quer ampliar os horizontes do estilo criado por ele e fazer parcerias com os ídolos — Dennis Dj e KVSH —, MC Hariel e WC no Beat.
Geração millenium
Com projeção nacional e internacional, o funk completou, no ano passado, 30 anos. Contudo, nunca deixou de lado a essência. “O funk é um estilo predominante em praticamente todas as quebradas do Brasil. Além disso, é um gênero musical eletrônico, o que significa que com um simples computador os jovens conseguem desenvolver suas próprias produções caseiras. Por ser popular e acessível, é também um estilo sempre cheio de novidades, com inovações estéticas na batida, nos vocais e nas misturas regionais. Atualmente, há dezenas de estilos de funk, cada um se caracteriza principalmente pela batida, como o icônico tamborzão dos anos 1990 ou o beatbox dos anos 2000. O rave funk é a criação dos funkeiros nascidos neste milênio, numa época de grande popularidade da EDM (Eletronic Dance Music), que tem Djs como David Guetta e Alok tão famosos quanto estrelas pop. “Lembro de ficar hipnotizado ao ouvir Dj TH com MC 7 Belo pela primeira vez, apenas dois anos atrás, e hoje em dia aquela batida robótica é a que mais se ouve nas festas”, explica Lucas Reginato, autor do livro Funk: A batida eletrônica dos bailes cariocas que conquistou o Brasil em parceria com Júlia Bezerra.
A mistura da música eletrônica com as batidas de funk também é uma aposta do MC Hollywood, que lançou Tipo rave balança o popo, em 2018, e Rave que fala, em 2019, em parceria com Kevinho. Outro nome de destaque na cena é o Dj Tezinho, que produziu junto com o Dj GBR o Projeto rave dos fluxos. No Nordeste, a tendência da alegria e criatividade parece ter contaminado também o brega-funk. Enlouqueço, do MC Tocha, e Pode balançar, do MC Troia, incluem batidas eletrônicas.
Para Reginato, no entanto, é natural que, como tendência, o rave funk dê espaço a outras vertentes com o passar do tempo. “Como é feito para dançar, o funk tem compromisso com o momento, com o instante fugaz de despreocupação. É normal que cada geração se identifique com um estilo diferente, que queira desenvolver o próprio jeito de fazer música e de dançar, e até mesmo rejeite o que está consolidado, como um traço de rebeldia adolescente. A molecada hoje não quer ir para o “baile”, quer ir para a “rave”. Mas daqui 10 anos “rave” talvez seja uma palavra tão démodé como é “baile” hoje em dia.
Três perguntas / Lucas Reginato
Acredita que o rave funk é uma volta ao início do gênero, quando da influência das vertentes da música eletrônica?
Acho que mais do que uma volta, é um avanço. É um passo adiante no desenvolvimento do estilo. O funk nasceu de forma muito rústica, eram batidas de hip-hop norte-americano reproduzidas para que os MCs cantassem em cima, e com o tempo várias tendências tomaram o movimento de assalto, como, por exemplo, recentemente, o funk 150 bpm do Dj Rennan da Penha. Essas inovações estéticas estão sempre relacionadas à realidade dos jovens que estão fazendo a coisa diferente, e, por isso, sempre refletem o período histórico em que são produzidas.
Qual o papel e a relevância das festas da periferia na construção das vertentes do funk?
As festas são centrais para esse movimento, desde a origem. Antes de haver funk carioca, já havia baile funk, e deu o nome do estilo, porque eram embaladas com as músicas do funk norte-americano, de James Brown e afins. Funk é música de festa, feita para dançar, e quem reivindica dele uma postura politicamente explícita ou letras mais sofisticadas não entendeu para que ele serve.
Por que o funk tem tantas variações?
Como disse acima, porque é popular e acessível. As variações surgem principalmente do contato do funk carioca com outros estilos musicais, do Brasil e do mundo. Além disso, há uma identidade regional no funk, de forma que o funk mineiro hoje em dia tem uma cara própria, o paulista outra etc. No Nordeste, o funk se misturou ao pagode em grupos como o ÀTTØØXXÁ, enquanto no Norte surgiu o brega-funk. Nenhum lugar do mundo tem uma diversidade rítmica tão grande quanto o Brasil, devido à nossa grande extensão territorial e miscigenação étnica. Hoje, o funk é uma linguagem popular em todas as periferias do Brasil, e isso o coloca em contato com essa diversidade maravilhosa.