Filho de candangos vindos da Bahia, legítimo brasiliense, descendente de africano e brasileiro. O artista Josafá Neves inaugura o calendário artístico no Museu Nacional da República com a exposição Orixás. Em pinturas a óleo sobre telas, esculturas e instalações, o brasiliense, nascido no Gama e artista autodidata, materializa a pluralidade das religiões de origem africana no Brasil.
“O artista tem o poder de se manifestar por meio da arte e mostrar para as pessoas o que realmente acontece. A ideia é mostrar que essa religião não é do demônio, não discrimina ninguém. É importante sair da ignorância, do não conhecer e ainda julgar. Existe uma beleza nessa religião e um valor inestimável da resistência da história do negro no Brasil”, explica Neves. Foram cinco anos de planejamento para concretizar o trabalho que estreia nesta terça-feira (28/1) no museu.
Neves integra um conjunto de artistas que fez da arte afirmação do negro e da existência. Em pinceladas ou trabalhos escultóricos, ele aborda a temática da cultura afro-brasileira por meio de uma interpretação astuciosa e genuína, transformando-a numa permanente e inquietante realidade. “A arte faz parte da minha vida. São 25 horas por dia. Acordo pensando em arte, durmo pensando em arte. O meu trabalho é um pedaço de mim. Contém um pedaço da minha alma”, comenta o brasiliense.
Pela primeira vez, Neves se aventura pelo universo geométrico, inspirado em Rubem Valentim. Em pinturas coloridas, que expostas lembram retratos, Neves materializa a simbologia e as cores de 16 orixás cultuados no Brasil. Exu, Oxum, Obá, Oxóssi, Ogum, Oxalá Oxaguian, Nanã, Ossain, Omolú, Iemanjá, Xangô, Iansã, Oxumar, Logum Edé e Oxalá Oxalufan são os orixás representados na mostra inédita em Brasília.
Em uma instalação com 800 peças, além de grandes esculturas feitas a partir de madeira do Cerrado, o brasiliense revela as potencialidades visual e poética do trabalho. “Busquei vários suportes justamente para abranger o público e o público ter várias visões sobre as dimensões religiosas. Também é uma forma de provocação. Colocar o público diante de um exército de homens e mulheres e trazer essa afirmação do povo negro, a nossa religião, a nossa história que as pessoas tanto negam”, explica Neves.
Para o artista, não é uma questão de tolerância, mas de respeito, independentemente de questões religiosas, de cor da pele e de opção sexual. “É uma mostra com fundo político educacional e de afirmação do patrimônio imaterial que os negros deixaram, que é a nossa história, a história do povo brasileiro”, finaliza.
Mais do que uma exposição religiosa, como as encontradas no período da arte sacra, a mostra se apropria da linguagem para produzir uma arte contemporânea, como explica o crítico de arte e curador Marcus de Lontra Costa. “A obra não é, em nenhum momento, política, mas vem revestida de um caráter político a partir do momento que um dos museus mais importantes do país recebe esse trabalho em um período de intolerância religiosa”, comenta. São obras ricas esteticamente, com visualidade muito forte e muito presente, nas quais Neves trabalha de maneira poética uma ação inicial de violência.
Na avaliação de Lontra, o mundo contemporâneo hoje, seja ele artístico ou não, está diante da necessidade de rever a história e a forma como ela é contada e representada. “A história da arte no Brasil até pouco tempo se construiu pelo olhar branco, ocidental. Mas, essa visualidade negra, com artistas como o Josafá, o Dalton Paula e o Antônio Obá tem evidenciado esse lado nosso que estava esquecido”, pontua.
As formas geométricas, por exemplo, podem ser explicadas pelo modernismo. Contudo, vieram antes dele, com os índios. “É uma maneira de sintetizar os caos da percepção. É antropomórfica”, descreve. Assim como Brasília e a arquitetura de Niemeyer, Costa afirma que é possível ser internacional e nacional ao mesmo tempo. “Isso é um ganho para o Brasil”, analisa.
Com a exposição, Neves e Costa querem manifestar ao público o que é do brasileiro, mas estava esquecido, apagado ou renegado. “Uma ação artística que faz parte da minha formação brasileira, da construção social e cultural”, justifica o curador. “Somos todos mestiços. Quando a gente se conscientiza da violência que ocorreu e ocorre e se propõe a identificação em nós mesmos, passamos a lutar por um país melhor. A religião é a necessidade que o ser humano tem de se encontrar com algo melhor, seja ela qual for”, acrescenta Costa.
Exposição Orixás
De Josafá Neves com curadoria de Marcus de Lontra Costa. Abertura nesta terça-feira (28/1), às 18h30. Visitação até 29 de março. Segunda, das 14h às 18h30 e de terça a domingo, das 9h às 18h30. Acesso livre.
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