A família Gil é sinônimo de música. Tudo começou com Gilberto, mas se alastrou para as demais gerações. Dos oito filhos, três seguiram os passos do pai: Preta, Bem e José. Entre os netos, o talento apareceu e se desenvolveu em Francisco e João, e tem se mostrado em Flor, filha de Bela Gil. A bisneta Sol de Maria também já se arrisca na cantoria. “A música sempre esteve nas nossas vidas. Lembro de desde muito pequeno sentar e tocar”, conta Francisco Gil em entrevista ao Correio.
Apesar de nascer em uma família extremamente musical, Francisco demorou a se entregar de vez à música. Hoje com 25 anos, ele conta que, até os 18, nunca havia pensado em seguir pelo caminho da música. “Entrei na faculdade de cinema, trabalhei com cinema, estava caminhando. Mas a música me puxou para ela. Surgiu uma banda na época, depois a coisa foi ficando séria e abandonei o cinema. Eu já tocava guitarra e depois teve o processo de me descobrir como cantor, um processo mais profundo ainda”, lembra.
No fim de 2018, se lançou com o tio José e o com o primo João no cenário com a banda Os Gilsons, experiência que o ajudou a explorar mais o canto e também a desenvolver uma carreira paralela em formato solo, lançada neste ano com o lançamento do disco Raiz. “Foram coisas que nasceram meio juntas (Os Gilsons e o projeto solo). Comecei a pensar no disco em 2018, que foi justamente quando começamos Os Gilsons de forma despretensiosa”, revela.
De forma paralela levou os dois projetos. Com Os Gilsons lançou no ano passado o EP Várias queixas, com cinco faixas. Neste ano, assumiu a alcunha de apenas Fran e divulgou Raiz. O disco é composto por nove canções, todas escritas pelo cantor em parceria. Apenas duas têm apenas Fran como autor: Eu reparo e Bateu forte. As demais, como um bom Gil, nasceram de encontros musicais.
Participações
A primeira deles foi com Russo Passapusso, do BaianaSystem, com quem criou a primeira canção do disco, que, inclusive, é a faixa-título. “O disco começou com o Russo. Ele me incentivou muito a gravar o disco, fazer meu som, correr atrás de verdade. Fizemos essa música no primeiro dia do ano”, lembra.
Pablo Bispo, Ruxell e Sérgio Santos, que formam o DOGZ, foram os principais parceiros de Fran. Além de produzirem o álbum, participaram da composição de quase todas as músicas: Coração tambor, Divino amor (gravada com Caetano Veloso), Eu mais tu, Denguinho, Leve axé e Afro futurista (faixa que teve auxílio de Gilberto Gil). “Foi um processo muito bom de composição, de trazer outras pessoas. Surgiram por volta de 20 músicas, selecionadas e gravei em fevereiro”, recorda.
A escolha dos convidados surgiu de forma muito natural. Russo era a escolha óbvia em Raiz. A ideia de incluir Caetano veio de uma percepção de que ele se parecia com a música. “Pensei: “Vou dar um jeito de mostrar para ele”. Quando ele estava na turnê na Europa com os meninos, mandei para a Paula que ficou de mostrar. Terminou que Caetano gravou”, explica.
Já a presença do avô aconteceu meio sem querer. Fran apenas levou a canção para que Gilberto escutasse e desse o aval. “Ele é a raiz de tudo que eu faço na música, além de tudo, o disco tem muita referência dele. Ele ficou muito feliz de ver aquilo, de ter a primeira pessoa da terceira geração dele fazendo um disco. O convite surgiu automaticamente. Ele foi ouvindo e fechou ali. A participação dele conta mais do que uma participação, porque, de certa forma, é um veredito dele, como se fosse uma legitimação daquilo”, completa.
A relação musical com o avô é profunda. Fran diz que a referência primária dele é exatamente Gil: “No meu canto, no meu violão. Toda a minha referência é meu avô, claro, misturada com todas as referências que vieram depois”. Então, dividir os vocais com Gilberto e com Caetano, outro ícone, foram os momentos mais emocionantes do trabalho solo. “Eles são duas entidades para mim. Falo de ancestralidade no disco, então, automaticamente estou falando deles”, revela.
Da mesma forma que olha para trás no disco, Fran também olha para frente, daí vem a presença das irmãs e da filha no coral de Leve axé. Estão lá como backing vocal Sol de Maria, Maria Junqueira, Clara Rosa, Maria Moletta e Anna Luiza. “Foi uma superparticipação de uma outra geração que está vindo aí. É também uma canção que passa uma mensagem de amor para o mundo, que joga axé para o mundo. Elas amaram fazer parte disso. A Sol já tinha ido antes no estúdio e estava paquerando ali, com as tias, foi mais fácil, elas acabaram incentivando ela”, conta.
Tema
A raiz, que dá nome ao título, não está apenas na presença dos familiares, mas também na temática do disco. As letras e as melodias abordam as religiões de matrizes africanas, os ritmos brasileiros e a diversidade do Brasil. “As minhas referências ligadas à música são afro-baianas e afro-brasileiras no geral. Acabei criando esse contato com aquilo que vem da África e da Bahia naturalmente. E todo esse processo de composição foi um momento de olhar para dentro, de tirar aquilo do fundo. O surgimento dessas canções foi um momento de autoconhecimento, de afirmação para mim”, explica.
Em Afro futurista, por exemplo, Fran canta ao lado de Gil essa mistura de influências e conceitos: “África é o berço, é o passado, é o que foi dado de melhor para o Brasil. Rastafári do sul da Angola, preto velho de Guiné-Bissau, carioca baiano de Gana, da Jamaica pular carnaval, sou budista de Oxalá, kardecista de umbanda, candomblé com pouco de Jah, ô meu Deus agradeço a Alá”.
A relação com a África foi além das raízes. Francisco Gil visitou o continente ao lado de Pedro Alvarenga e Rafael Di Celio, com quem criou o filme que se tornou no clipe de Coração tambor. O trio passou 20 dias em Angola e uma semana na Namíbia. “Nesse disco, fiz a experiência reversa do meu avô com Refavela, compus o disco e fui lá para a África, onde muita coisa foi ressignificada para mim, tudo aquilo que já tinha sido composto e cantando. Foi uma experiência transformadora e bem especial”, afirma.
Raiz
De Fran. Blacktape, 9 faixas. Disponível nas plataformas digitais.
» Duas perguntas / Fran
Você pretende começar a rodar o Brasil com o show de Raiz?
Estou começando a preparar o show. Já estamos ensaiando. Agora é pegar tudo, todas as ideias e tocar isso. A ideia sempre foi focar no lançamento como um todo. Estamos montando outro clipe. Esse ano vai ser de muita música para mim.
O que podemos esperar do trio Os Gilsons?
Estamos voltando para o estúdio. O importante na música é não parar. Para gente é uma delícia, uma coisa muito leve, é genuinamente a gente, é um som de família. E quando a coisa é compartilhada dessa forma é tudo mais leve, as ideias vão surgindo, uma vai complementando a outra. A gente consegue chegar nessa profundidade bacana de uma sonoridade que é nossa. Sempre foi uma coisa muito positiva e enriquecedora.