Correio Braziliense
postado em 23/01/2020 06:10
De fotógrafo oficial da presidência da República a inúmeros registros fotojornalísticos de grandes nomes da história do país, Ricardo Stuckert apresenta um dos seus trabalhos mais expressivos com a exposição Índios Brasileiros. Sua história como fotógrafo se inicia antes mesmo do nascimento, com uma herança familiar inaugurada por seu bisavô, e espalhada para mais de 30 membros da família, incluindo sua maior influência, o pai Roberto. “Meu pai foi o fotógrafo do último presidente militar, João Figueiredo; eu, do primeiro operário (Lula); e, meu irmão, da primeira mulher (Dilma Rousseff)”, conta Ricardo.
Mas é em 1997, com seu trabalho na edição especial da revista Veja, Veja Amazônia, que o caminho profissional enveredou para o interesse pela cultura indígena no país. “Eu fiquei com o tema indígena, e cobri os Yanomamis. Em 1997, fotografei uma índia chamada Penha Goes, de olhos claros e olhar forte”, descreve Ricardo.
O fotojornalista tentou localizá-la 17 anos depois e só teve sucesso na busca depois de um ano, fazendo um novo registro da índia, que agora tinha 39 anos. Sua foto foi comparada à imagem de grande repercussão da afegã Sharbat Gula, de Steve McCurry, para a revista National Geografic.
Depois dessa e de outras experiências com os índios, decidiu que não deveria encerrar esse projeto: “Pensei, eu não vou ficar só aqui, preciso fazer um trabalho com os povos originários do meu país”. A partir daí, concebeu o projeto de registrar 12 etnias indígenas.
Na mostra a ser inaugurada nesta quinta-feira (23/1), o fotógrafo apresenta parte da sua experiência ao retratar a beleza e a riqueza cultural dos grupos, já que tem intenção de lançar, ainda este ano, o livro que contemplará os registros completos de sua busca pelas raízes indígenas do nosso país.
A exposição Índios Brasileiros está instalada na Aliança Francesa de Brasília, a convite da Embaixada da França, como parte da programação do evento Noite das Ideias (La Nuit des Ideés), que nasceu em Paris, há quatro anos, e tem a sua primeira edição no Brasil, sediada simultaneamente em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A iniciativa visa promover reflexões criativas e ações culturais sobre temas importantes.
O tema deste ano é A Floresta - como ser vivo e lugar de seres vivos, e é discutido em cinco continentes ao mesmo tempo. “O projeto começou há bastante tempo. Foi tomando forma e tomou proporções enormes, sendo sediado simultaneamente em vários países”, conta Fernanda Isidoro, assessora da embaixada da França.
Estrutura e narrativa
Com a curadoria do premiado italiano Fábio Scrugli, a exposição não contém todas as obras do fotógrafo da série indígena, mas apresenta um recorte narrativo que mostra o olhar dos povos originários que é, segundo o fotógrafo, algo marcante desses grupos. Ele também destaca a escolha do local: “O interessante é que montamos a exposição em uma escola, que é um espaço frequentado e ocupado naturalmente, e aberto a reflexões tanto sobre nossa cultura como sobre as outras.”
O evento Noite das Ideias será realizado em 30 de Janeiro, com várias atividades: conferências, mesas-redondas, performances artísticas, comidas típicas, projeções de vídeo. Os convidados, entre eles franceses e brasileiros, apresentarão suas contribuições em diversas áreas, além de compartilhar estudos sobre as florestas e os desafios atuais da preservação ambiental.
Destaques da exposição
Os dois retratos da índia Yanomami, Penha Goes, com 17 anos entre eles. Índia que despertou o interesse, a paixão e a motivação de Ricardo Stuckert para fotografar os índios brasileiros.
Retrato do cacique Raoni Metuktire feito no Parque Indígena do Xingu. Raoni é uma das principais lideranças indígenas do movimento de proteção das florestas. Seus discursos incentivaram e influenciaram o fotógrafo.
Fotos dos índios do Maitá, povo indígena de comunidade isolada e nômade descobertos por acaso em uma das excursões de Ricardo e sua equipe.
Índios brasileiros
Exposição de fotografia de Ricardo Stuckert. Local: Aliança Francesa de Brasília (SEPS Qd 708/907). Abertura exclusiva para convidados nesta quinta-feira (23/1). A partir desta sexta-feira (24/1), aberta ao público, de segunda a sexta, das 8h às 20h; e sábado, das 9h às 12h. A entrada é franca.
Três perguntas / Ricardo Stuckert
Qual a importância, especialmente hoje, do registro destas tribos indígenas para a cultura e a história do nosso país?
A importância, para mim, é você divulgar a cultura brasileira, é mostrar a forma que os povos originários vivem hoje. Há jovens que estão nascendo e que nunca viram ou verão um índio na vida. Quem é o brasileiro que vai ter oportunidade de ver uma aldeia, uma tribo, ir a uma celebração, a um Kuarup? Poucos brasileiros tiveram o prazer de estar em um local desses. Eu acho que a fotografia tem esse poder de transpor para milhares de pessoas uma cultura como essa, de chegar ao outro. A importância do fotojornalismo documental é desfazer estigmas e propagar uma cultura que está se perdendo.
Como esse trabalho influenciou sua vida pessoal e profissionalmente?
Como eu sou um fotojornalista que cobre política, vivo política e respiro política, quando você vai para uma floresta, para uma aldeia, você está em outro tempo. O tempo é o tempo deles, o tempo que eles querem responder, que querem conversar, da maneira deles. Não tem essa ansiedade da cidade. A gente acha que pega um celular e liga, e manda uma mensagem, e a pessoa responde. Lá, tem todo um ritual, você tem que respeitar a cultura, tem que respirar a cultura, tem todo esse trabalho deles, essa calma e essa sabedoria. Você tem que aprender a reduzir isso para conseguir perceber e se adaptar a uma cultura milenar. Nós achamos que somos donos do mundo, chegamos e reaprendemos a arte de parar, respirar e conversar, coisa que não fazemos mais hoje, porque tudo é via eletrônico. Lá, é olhar nos olhos, tocar, sentir; as pessoas são puras. Meu grande ensinamento foi ter que pedir permissão para entrar. Uma permissão espiritual para entender a cultura do outro.
Quais as dicas que você pode dar para aspirantes à fotografia como registro cultural e instrumento de arte?
A internet deixou o ser humano viciado, hoje a gente tem mais aparelhos celulares do que habitantes no país. Antigamente, todo mundo achava que era médico e todo mundo receitava. Agora, todos acham são fotógrafos porque têm um celular. E esse fotógrafo, que está entrando, já entra com essa marca digital. Esse profissional tem que ser melhor do que aquele fotógrafo que está com o celular na mão, porque tem que enxergar através daquele buraquinho da câmera o que uma pessoa comum não enxerga. É ter dedicação 100% ao trabalho. E esse trabalho autoral, não é qualquer pessoa que realiza, não é qualquer pessoa que vai a uma aldeia dessas. Para fazer um trabalho mais artístico, autoral ou de projeto, é necessário entender também a cultura, é estudar, ler, saber o que está acontecendo, porque, quando você chega lá, você precisa perceber o que está se passando, direcionar o olhar para o lugar certo, saber conversar em cima do que eles estão sentindo. Então, a dica que eu dou para o fotógrafo que está começando é: quando você estiver conversando com uma pessoa, deve olhá-la nos olhos, porque é no olhar que você sente e enxerga o significado das palavras e você passa a fazer parte do momento. Isso faz com que a foto tenha essa magia, ela sai dos olhos. A fotografia é olhar nos olhos através da lente da câmera para captar os sentimentos. E tudo que você faz na vida com sentimento se sobrepõe a qualquer outra coisa que você queira fazer, porque você ama e porque você acredita. É por isso que eu gosto de editar meu material, porque sei quem está lá, eu sei o que senti, como selecionar, e o que foi importante, qual a narrativa. A minha narrativa é a preservação da cultura.
*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco
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