Recado
“Agora, mais do que nunca, é importante ler livros. Com eles, e só com eles, atravessaremos as piores tempestades.”
Jaime Pinsky
Amargo açucarado
O Enem divulgou as notas. Ops! A meninada, que testou tim-tim por tim-tim cada questão, questionou o resultado. Com razão. O Inep trocou os gabaritos. Ao anunciar o fato, disse tratar-se de “inconsistência”. Recorreu ao eufemismo. Erro ganhou nome mais leve — inconsistência. Ele adocicou o termo. Em vez de usar palavra que choca, causa dor ou provoca imagens desagradáveis, apelou para outra, mais branda.
Eufemismos à solta
Há exemplos pra dar, vender e emprestar. Bolsonaro, quando baixou o decreto que libera a posse de arma, deu lição de eufemismo. No pronunciamento, cumprimentou deputados da Bancada da Bala. São parlamentares que defendem o direito de o cidadão ter em casa revólver & cia. Sua Excelência, em vez de Bancada da Bala, chamou-a de Bancada da Legítima Defesa.
Muitos sentem medo da palavra morte. O que fazem? Pedem ajuda aos eufemismos. Manuel Bandeira chamou-a de “a indesejada das gentes”. Outros dizem passamento, falecimento, viagem, ida para a companhia do Senhor, passagem desta pra melhor, espichar a canela, vestir paletó de madeira, bater as botas. E por aí vai.
Diabo não fica atrás. A língua oferece mil artimanhas para fugir do coitadinho: demo, bicho, anjo rebelde, anhangá, beiçudo, canhoto, cão, coxo, coisa-ruim. Vade retro, satanás!
Balbúrdia
Na correção, o Enem trocou as cores. Misturou as provas cinza com os gabaritos amarelos. Deu no que deu — o samba das notas doidas. A balbúrdia deixa uma lição: o adjetivo cinza é invariável. Por quê? Porque deixa subentendida a expressão (cor da): terno (da cor da) cinza, ternos (da cor da) cinza, prova (da cor da) cinza, provas (da cor da) cinza.
Claro e escuro
Os parezinhos cinza-claro e cinza-escuro também são invariáveis: terno cinza-claro, ternos cinza-claro, terno cinza-escuro, ternos cinza-escuro, bolsa cinza-claro, bolsas cinza-claro, bolsa cinza-escuro, bolsas cinza-escuro.
Vem, Mobral
Em 1968, o governo militar quis acabar com o analfabetismo de adultos. Criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização, mais conhecido por Mobral. A história durou 15 anos. Fracassou. Muitos pensam ressuscitá-la com apoio das novas tecnologias. Dará certo? Antes de lançar o Novo Mobral, o método será testado. As cobaias serão o ministro da Educação e o presidente do Inep. Ambos tropeçam nos primeiros passos da alfabetização. Trocam s por z. O chefão, Abraham Weintraub, escreveu paralisação com z. O chefinho, Alexandre Lopes, visualização com dois zês.
Eles se esqueceram de que as palavras têm pai e mãe. As derivadas conservam a letra da primitiva, que funciona como sobrenome do clã. Casa, por exemplo, se grafa com s. Casinha, casebre, casarão vão atrás. Visão se escreve com s. Os filhotes, também: visível, visibilidade, visualização. Paralisia nasceu com s. Paralisar e paralisação, idem.
Plágio fatal
O secretário da Cultura plagiou a turma do Hitler. Disse que a arte brasileira seria “heroica”. Rapidinho virou ex. Mas deixou uma questão no ar: por que herói tem acento e heroico não tem? A resposta tem tudo a ver com a reforma ortográfica. Antes da mudança, o ditongo aberto oi se escrevia com grampinho sempre.
A reforma alterou a regra só das paroxítonas. Oxítonas, proparoxítonas e monossílabos tônicos mantiveram-se como sempre foram. Daí por que a grafia nota 10 é dói, herói, lençóis, heroico, joia, jiboia, paranoico.
Sem diferença
O mesmo ocorreu com o ditongo aberto ei. Só as paroxítonas perderam o acento: papéis, pincéis, ideia, assembleia.
Leitor pergunta
Com a fala do secretário da Cultura, o nazismo voltou ao noticiário. A forma reduzida názi tem acento. Por quê?
Cleber Nobre, Santos
Názi joga no time de táxi. São paroxítonas terminadas em i. Daí o grampinho.